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Haiti, a revolução da consciência negra

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Foto: imagem ilustrativa

Em 1492, Colombo "descobriu" Aytí, o lar paradisíaco dos tainos. Naquele ano, após um breve contato pacífico, a "descoberta" transformou-se em conquista, a ilha passou a se chamar Hispaniola e os índios foram submetidos à encomienda. Assim, em pouco tempo, a colônia prosperou, tornando-se o centro do Império Espanhol na América. No entanto, a superexploração do trabalho, as guerras e as doenças rapidamente dizimaram os índios massivamente, minando os próprios fundamentos da acumulação colonial. Para resolver a falta de mão de obra, os colonos começaram a introduzir escravos africanos, estabelecendo o sistema escravista na ilha.

Em meados do século XVI, a colônia começou a perder importância econômica e política à medida que os espanhóis colonizavam os índios do continente e ali descobriam riquezas de enorme valor. Desta forma, no século XVII, os castelhanos concentraram seu domínio sobre a região leste da ilha, deixando a região oeste abandonada. Aproveitando essa oportunidade, centenas de piratas começaram a se instalar na ilha, formando uma comunidade de foras da lei. No entanto, essa situação durou algumas décadas, pois a França conseguiu impor seu controle militar sobre ela, fundando assim a colônia de São Domingos naquela região. Realidade que foi finalmente aceita pela Espanha em 1697 com a assinatura do Tratado de Ryswick.

A ordem colonial no Haití começou a ruir em 1789, quando a Revolução Francesa sacudiu a Ilha.Os colonos temiam que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão se aplicasse ali; no entanto, logo ficou claro que o homem de quem ela estava falando nada mais era do que o homem branco, europeu, proprietário de propriedades. Essa contradição primeiro inflamou os affranchis, que se levantaram pela igualdade, o que levou a confrontos entre os proprietários de ambos os lados. No entanto, eles não foram os únicos a se levantar. Os escravos se rebelaram em agosto de 1791. Sua reivindicação era clara: Liberdade e Igualdade Universal. Em uma de suas proclamações, os líderes Jean François, Biassou e Toussaint Louverture, afirmaram: "Sim, senhores, somos tão livres quanto vocês (…). Somos seus iguais, por direito natural, e se a natureza também se congratula ao dar diversidade de cores à raça humana, não é crime nascer negro, nem vantagem nascer branco.

Os rebeldes assumiram a ideologia iluminista, mas a ressignificaram ao universalizá-la para além de seus limites classistas, raciais e eurocêntricos. Assim, como contrapartida da Revolução Norte-Americana e da Revolução Francesa, surgiu um discurso radicalmente descolonial, que, embora ainda não denunciasse o próprio colonialismo, bloqueava dois pilares da colonialidade: o racismo e a escravidão. No início, a França e os fazendeiros resistiram aos insurgentes.

No entanto, em 1793, quando Saint Domingue foi invadido pelos espanhóis e britânicos, os comissários metropolitanos foram forçados a declarar a abolição da escravidão para obter seu apoio. A Convenção Nacional ratificou a medida em fevereiro de 1794 e foi um sucesso político-militar, conseguindo assim manter a colônia sob a órbita francesa. No entanto, os custos foram altos para a metrópole, pois fortaleceu um setor dos rebeldes, liderados por Toussaint Louverture, que conseguiu tomar o poder na Ilha. Em 1800, após uma breve guerra civil entre ex-escravos e affranchis, Toussaint impôs uma nova ordem social pós-racista e pós-escravidão que, embora mantendo formalmente o pacto colonial, de fato o limitou. Ao fazê-lo, a Revolução tinha ido longe demais e Napoleão decidiu acabar com ela, enviando uma poderosa expedição para restabelecer o antigo regime. A expedição conseguiu inicialmente, após árduo combate, a rendição de Toussaint, que acabou sendo capturado e enviado para a metrópole, onde morreu em 1803. No entanto, o sucesso se transformou em fracasso quando Leclerc, comandante da missão, tentou reimpor escravidão. Os ex-escravos, aliados dos mulatos, liderados por Jean J. Dessalines e Alexandre Petion, rebelaram-se e numa guerra popular de libertação nacional conseguiram expulsar os franceses. A revolução encerrou assim seu ciclo, tornando-se puramente decolonial, ao assumir o anticolonialismo radical entre suas bandeiras.


Em 1º de janeiro de 1804, nascia a primeira República Negra do mundo e a primeira nação independente da América Latina.

O golpe ao sistema moderno/colonial foi muito duro e as potências imperiais, em resposta, impuseram um bloqueio cultural, econômico e político fechado ao estado nascente para que seu exemplo não se espalhasse. Uma vez declarada a independência, Dessalines assumiu a responsabilidade de fortalecer a ordem interna massacrando os colonos franceses que ainda permaneciam na ilha. No entanto, ele não suprimiu todos os brancos, pois respeitava os médicos, padres e soldados poloneses e alemães que apoiaram a revolução.

No Brasil

De 16 a 19 de novembro de 2022, ocorrerá na cidade de Itajaí a 1ª Mostra Haiti de Cultura – Itajaí 2022. Um projeto que nasceu do olhar atento da produtora cultural Andréa Müller, do Espaço Cultural Beija-Flor Cobra Criada, voltado para a comunidade haitiana residente nos bairros São Vicente e Cidade Nova.

A Mostra traz à Itajaí a música, as artes visuais, a dança, a gastronomia, o artesanato e o comportamento haitianos, dando luz a um tesouro cultural escondido desde 2012, ano da entrada dos primeiros imigrantes na cidade. Um patrimônio rico em história, arte e cultura. Proporciona também uma visita à história de uma nação influenciada pelo povo originário, os índios Taínos, pelos colonizadores espanhóis e franceses, pelos escravos africanos do Congo, Benim, Nigéria, Senegal, Guiné Conacri, Serra Leoa, Gana, África do Sul e Madagascar; e pela ocupação norte-americana.

Esse caldeirão multicultural forjou no Haiti um povo resiliente, que constituiu a primeira república negra do mundo, a primeira nação independente do Caribe e o primeiro país do mundo a abolir a escravidão. Além disso, fomenta debates enriquecedores, que buscarão ações afirmativas para políticas públicas de inclusão da comunidade haitiana.


JUAN MANUEL P. DOMÍNGUEZ

Militante, professor, roteirista, produtor e diretor de cinema. Fotógrafo especializado em fotografia de documentário para a defesa dos direitos humanos. Escritor e jornalista.

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