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Quilombola

Avanço da monocultura e violação de direitos obrigam quilombolas a saírem de seus territórios

Desemprego, invasão do território, falta de acesso à educação, transporte e terras de qualidade são alguns dos muitos motivos que levam comunidades quilombolas a deixarem suas terras em busca de melhores oportunidades


Tânia Rêgo/Agência Brasil

"A comunidade quilombola de Helvécia passa por muitas dificuldades por conta da saída de pessoas que buscam emprego em outros lugares. Antes da chegada da monocultura do eucalipto na região, a maioria dos moradores tinham até uma quantidade de terra. Hoje, nós temos um índice alto de desemprego na região, mesmo com essas empresas instaladas aqui". É o que relata a quilombola e professora Roseli Constantino Ricardo.

A quilombola de Helvécia - também integrante do Conselho das Comunidades Quilombolas do Extremo Sul da Bahia - destaca que a população da comunidade, localizada no município de Nova Viçosa, no sul da Bahia, tem se visto obrigada a sair de seu território devido à falta de acessos e oportunidades, motivada, sobretudo, pelo avanço das plantações de eucalipto.

"Hoje nós estamos ilhados pela monocultura do eucalipto e, desde que nós pedimos o reconhecimento de Helvécia como comunidade quilombola, a gente luta para que as empresas, no mínimo, recuam, porque hoje não temos nem para onde crescer", relata a professora, que também lembra de um ato dos moradores que precisaram arrancar eucaliptos para evitar o avanço sobre a comunidade.

De acordo com Faustina Zacarias Carvalho, os Quilombos Mutum e Naiá da região, em Caravelas/BA - certificados como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares - foram praticamente tomados pelas empresas de monocultura do eucalipto e a grande maioria dos moradores foram retirados de seus territórios, resistindo poucos hoje.

Ela conta que seus pais, há aproximadamente 40 anos, se viram na necessidade de vender o território da família no Quilombo Naiá diante da impossibilidade de conseguirem plantar o suficiente no terreno, já cercado pelo monocultivo de eucalipto da empresa Suzano.

A quilombola Faustina mostra como está hoje o ribeirão onde antigamente pescava em Naiá | Crédito: Arquivo pessoal Faustina

A compra direta com os pais dela foi feita com outra pessoa, mas o terreno foi parar com a empresa de papel e celulose. Segundo eles, a pessoa com quem fizeram a venda não chegou a fazer o pagamento completo do território para a família de Faustina.

"Meus pais já estavam desanimados, porque tudo que plantava não tirava. O eucalipto fechou, tomou conta. Aí a secura tomou conta. A gente não estava conseguindo tirar quase nada. Aí o cara [comprador] chegou forçando e foi quando acabou acontecendo", relata.

Em março deste ano, houve uma audiência pública marcada pelo Ministério Público Federal da Bahia e da Defensoria Pública da União para que as comunidades quilombolas do Extremo Sul da Bahia pudessem apontar todos os problemas desencadeados pelo avanço da monocultura do eucalipto. Entre os problemas, estão o desemprego, o êxodo rural, a contaminação da água e do solo e a redução dos biomas nativos.

Como resultado da audiência, as comunidades escreveram uma carta pontuando os problemas encontrados e encaminharam a formação de um grupo de trabalho com representantes das comunidades.

A empresa Suzano também foi questionada pela Alma Preta Jornalismo sobre o avanço do monocultivo de eucalipto sobre os territórios quilombolas e como tem se dado as tratativas com as comunidades prejudicadas pela perda de suas terras. Segue, na íntegra, a resposta da empresa.

''A Suzano mantém diálogo constante com as comunidades tradicionais, respeitando sua importância. Nossas atividades são realizadas dentro das melhores práticas de segurança e preservação ambiental, seguindo na íntegra as legislações aplicáveis, incluindo o âmbito social. A empresa acompanha de perto os pontos levados e estão sendo analisados. Continuaremos dialogando com as comunidades e com o Ministério Público Federal com foco no desenvolvimento regional e respeito ao meio ambiente".

Falta infraestrutura e oportunidades

Comunidade quilombola de Helvécia | Crédito: Arquivo pessoal Roseli

Os motivos de um quilombola sair de seu território de origem podem ser vários, sobretudo, pela falta de acesso a políticas públicas que garantam a efetividade de seus direitos.

Na área profissional, a quilombola Roseli Constantino Ricardo também conta que os moradores de sua comunidade em Helvécia se veem na necessidade de procurar emprego em municípios vizinhos. Entretanto, nas outras cidades, também encontram dificuldades de serem contratados por conta da distância de sua comunidade e pela falta de disponibilização de transporte que contemple a deslocação diária.

"As pessoas precisam lutar muito para conseguir uma vaga dentro dessas empresas e, quando conseguem, muitas vezes, tem que dizer que moram em outra localidade ou sairem daqui, enfrentando essas estradas violentas", destaca a professora, que também conta como o resultado acaba sendo o esvaziamento da comunidade de qualquer forma.

"As comunidades vão diminuindo o número de seus moradores e, com isso, corre-se o risco de fecharem as escolas, porque o número de alunos diminui já que seus pais saem para ir trabalhar e acabam, com o tempo, precisando se mudar, o que complica a situação da comunidade", ressalta.

Ao saírem de suas comunidades de origem, esses quilombolas podem também enfrentar muitas dificuldades e vulnerabilidades. De acordo com Xifronese Santos, quilombola da comunidade Caraíbas em Sergipe e coordenadora estadual da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), as pessoas que decidem sair da comunidade não tem direitos garantidos, vivem pra trabalhar só com o direito mínimo de trabalho que, muitas vezes, são clandestinos.

"A saída na busca de oportunidade nem sempre vale a pena. Os trabalhos de resgate histórico e cultural se perdem e a nossa continuidade no território diminui", pontua a liderança.

O direito da educação

A quilombola Maíra Rodrigues da Silva, do Quilombo de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira em São Paulo, relata que ao sair de sua comunidade enfrentou muitas dificuldades. Aos 18 anos, ela foi para Campinas com o objetivo de estudar.

Doutoranda Maíra Rodrigues | Crédito: Arquivo pessoal

"Na época, eu não tinha essa dimensão de que era possível entrar na universidade pública, então primeiro fui fazendo a minha vida em Campinas com muita dificuldade. Passei um ano e meio assim. Só tinha duas malas e morava para lá e para cá na casa das pessoas. Foi um processo bem difícil. Não conseguia serviço", conta Maíra, hoje considerada a primeira quilombola a se tornar mestre pela Unicamp e, atualmente, doutoranda pela mesma instituição.

Por meio de cursinhos, bolsas que conseguiu durante sua trajetória e programas de extensão, Maíra foi realizando seus objetivos. Já chegou a precisar trabalhar em três empregos, além de fazer o mestrado, em que estudou a contaminação em áreas agrícolas para minimizar um problema encontrado no Vale do Ribeira.

"Eu sempre tive a esperança de que se um dia eu estudasse, eu poderia auxiliar mais minha comunidade. Foi esse fato que me fez ter vindo para Campinas. O mestrado foi uma forma de devolutiva para minha região, que sofria com a contaminação", relata a doutoranda.

Pensando nas vulnerabilidades e dificuldades de quilombolas que precisam deixar seus territórios de origem para estudar, que a Coordenac?a?o Nacional de Articulac?a?o das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) enviou um ofício à Câmara dos Deputados pedindo alterações em trechos do Projeto de Lei Nº 3422, de 2021, que trata da renovação da Lei de Cotas.

Perto de completar 10 anos, o texto passa por revisões e está na relatoria do deputado federal Bira do Pindaré (PSB). Entre as alterações e modificações necessárias apontadas pela Conaq, por meio de seu Coletivo de Educação e Coletivo Jurídico, está o pedido de alteração em artigo que diz que só poderão receber Bolsa Permanência durante a graduação os quilombolas que comprovarem residência em suas comunidades de origem.

Segundo Romero Antonio de Almeida Silva, do Quilombo de Trigueiros, em Pernambuco, e membro do Coletivo Nacional de Educação da Conaq, a exigência de que o quilombola precisa morar na comunidade viola um direito básico sobre sua identidade. De acordo com Romero, os estudantes são obrigados a saírem de seus territórios, já que não encontram essas universidades dentro de suas comunidades.

Quilombo de Trigueiros, em Pernambuco | Crédito: Arquivo pessoal de Romero

"Quando se impõe ainda mais barreiras para o processo de acesso, de comprovação, a gente sempre lembra que ser quilombola é autodeclaração, é autodefinição, não é um documento, não é simplesmente estar em um pedaço de terra que vai dizer. O ambiente não deve ser o critério absoluto para determinar quem é quilombola e quem não é", ressalta Romero.

"Há mecanismos já na própria legislação para determinar essas discussões", também destaca o quilombola.

A Constituição Federal de 1988, não retira o direito do reconhecimento do quilombola por sua localização atual, visto que esse reconhecimento é, sobretudo, de identidade. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu também, por meio da ADPF 742 - sobre a covid-19 e os direitos ao acesso a políticas públicas para quilombolas - que cobrar declaração de residência para quilombola é inadequada, visto que a identidade étnica não está relacionada ao local de moradia.

Da Redação com Alma Preta

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