Opinião - Não há nada mais tradicional em Sousa do que a Festa de Nossa Senhora dos Remédios. Todo ano, o centro da cidade se transforma, o cheiro das barraquinhas toma conta, a chegada dos parques de diversões, a riqueza das roupas e o fervor religioso une a comunidade em devoção à padroeira. Mas, em anos eleitorais, o que já é uma celebração vibrante ganha novos contornos: o pavilhão da festa vira palco de uma disputa bem diferente das rezas e procissões. É ali que, em meio à fé, a política entra em cena com toda sua força, e a trincha da galinha vira quase um símbolo do período.
Lembro-me bem de uma dessas noites no pavilhão, quando os gritos animados ecoavam: "Trincha, trincha essa penosa!". Quem já participou sabe a emoção que é ver a plateia se agitar ao redor do leilão de galinhas, uma brincadeira que, no fundo, reflete muito do que é o espírito da festa. Porém, quando um político arremata a galinha e, logo em seguida, alguém grita que "essa vai pro fulano comer", sabemos que o jogo já ultrapassou o universo da brincadeira. Ali, cada lance vale mais do que o preço da galinha. É uma espécie de ritual eleitoral, onde o nome do político vencedor ecoa como se fosse mais uma promessa ao povo.
Os anos passam, mas as cenas se repetem. Políticos locais, candidatos a prefeito, vereadores e até deputados aparecem para marcar presença, cada um tentando se aproximar mais do povo, fazendo questão de participar da festa e, claro, arrematar sua galinha. Porque aqui, até a mais simples tradição serve para reforçar a imagem pública. A trincha se transforma em mais uma ferramenta para conquistar votos, e a galinha, que deveria ir para a mesa, às vezes parece se transformar num troféu eleitoral.
Mas, apesar dos interesses políticos que rondam a festa, o que não muda é o espírito comunitário e a devoção à padroeira. Nossa Senhora dos Remédios continua sendo o centro de tudo, e, no final das contas, o que vemos é uma mistura única de fé, cultura e política, que faz parte do tecido de nossa cidade.
A cada grito de "trincha, trincha essa penosa", o pavilhão segue pulsando, e a festa vai muito além das eleições. Ela é a cara de Sousa, um reflexo do que somos: um povo que sabe como misturar fé e política, tradição e modernidade, tudo sob o olhar atento de Nossa Senhora dos Remédios.
Por: Paulo Pereira
