Nesta semana tão triste, em que a Líbia, o Marrocos e o nosso Rio Grande do Sul sofreram os efeitos da emergência climática na pele, chama atenção a lentidão dos governos dos países mais pobres em políticas públicas de adaptação. No Brasil, nem mesmo a maioria das capitais tem planos de adaptação climática, como mostrou reportagem da Agência Pública de junho passado, quando Porto Alegre já sofria com chuvas torrenciais, com deslizamentos nas comunidades do morro da Cruz.
Talvez por recaírem principalmente sobre os ombros dos mais vulneráveis, não há preparação para enfrentar os eventos extremos na maior parte do mundo – desde a infraestrutura até o fornecimento de informações para os potenciais atingidos, da prevenção à orientação em caso de desastres. Que, sabemos todos, se tornam cada vez mais comuns.
No Brasil, a negligência das diversas esferas de governo com essa questão crucial me desperta duas reflexões: por um lado, o descompasso da agenda nacional em relação às urgências contemporâneas; por outro, a falta de representatividade da população nos centros de poder, ausentes aqueles que poderiam dar centralidade às novas demandas – da desigualdade social ao direito à moradia segura; da proteção ambiental a políticas climáticas, da regulamentação das plataformas ao direito de informação.
A falta de representatividade na política – bandeira importante de junho de 2013, que parte dos progressistas jogou fora com a água do banho da ascensão da direita sem compreender o seu valor para a democracia – aparece claramente na composição do Congresso, do Judiciário e do próprio governo. Depois das recentes dispensas de Ana Moser (Esporte) e Daniela Wagner (Turismo) são apenas 9 ministras em 37 ministérios do governo federal.
Um recorde, diz o governo Lula, já que o número de ministras era ainda menor nas gestões anteriores. Quase uma farsa, diriam as mulheres que representam mais da metade da população, e que assistiram aos insistentes apelos do candidato Lula à igualdade de gêneros e à solidariedade das mulheres.
E não fica aí, como sabemos todos que acompanhamos as mudanças no STF e na Procuradoria-Geral da República (PGR), que ficará livre de Augusto Aras no final do mês. Depois de fazer ouvidos moucos para os movimentos de mulheres, negros, indígenas e de todos os que buscam democratizar a democracia, tudo indica que Cármem Lúcia restará sozinha na Suprema Corte, que seguirá 100% branca em um país de negros e pardos. Já na PGR, a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores (ANPR) coloca uma mulher em primeiro lugar, a procuradora Luiza Frischeisen, mas Lula já disse que pretende ignorar a lista e muito provavelmente o cargo seria ocupado por mais um homem branco.
No Congresso, a discrepância entre a população e os deputados e senadores eleitos é gritante. Na Câmara, mais de 72% dos deputados são brancos, e 82% são homens. Para piorar, não satisfeitos em burlar políticas de cotas para negros e mulheres, a minirreforma eleitoral – que teve o texto-base aprovado na quarta-feira, com destaques em votação no momento em que escrevo – pretende oficializar o descompromisso com a diversidade. Além de restringir a participação de mulheres na política, com a inclusão de cargos majoritários na conta das cotas femininas nos fundos eleitorais e partidários, entre outros truques, não há menção a pessoas negras no texto aprovado. A questão das cotas por raça, com apenas 20% para negros, foi remetida à PEC da Anistia, aquela que pretende perdoar irregularidades e ilegalidades praticadas nas campanhas eleitorais. Entre elas, o boicote às cotas de mulheres e negros.
O que leva a outra pergunta: se tivéssemos um Congresso, um governo e um Judiciário mais representativos, continuaríamos olhando da mesma forma para problemas como desigualdade social, racismo, violência sexual, segurança urbana, meio ambiente, desinformação, emergência climática, entre outros temas?
Como mostra o exemplo das cotas nas universidades, não apenas mulheres, negros e indígenas se beneficiam delas. É toda a sociedade que sai ganhando com a diversidade, como mostram os estudos sobre o impacto dessa inclusão na pesquisa e produção acadêmica. Democracia exige a participação equânime de todos – de projetos de lei, a decisões judiciais e construção de políticas públicas.
Diversidade não é uma palavrinha bonita para falar em campanhas eleitorais. Pode mover montanhas em um país que ainda não se olha no espelho como o nosso. Não por coincidência, as deputadas trans Erika Hilton e Duda Salabert, e uma jovem mulher indígena, Txai Suruí, estão entre as cem personalidades mais influentes do mundo escolhidas pela revista Time. É com esses rostos que o Brasil pode chegar a um futuro melhor e mais justo neste mundo em ebulição
Marina Amaral
Diretora Executiva e editora da Agência Pública