Opinião - Sete em cada dez pessoas negras no Brasil já passaram por situações de constrangimento devido ao preconceito ou discriminação racial. O dado, resultado de pesquisa recente do, é mais do que uma estatística: é um reflexo cruel da desigualdade que estrutura nossa sociedade. Não estamos falando de números abstratos, mas de histórias reais, vidas marcadas por uma violência sutil e constante que molda o cotidiano de milhões de brasileiros.
Como homem negro, não me surpreendo com esses números. Quem carrega a pele como identidade sabe que a expectativa de discriminação é uma sombra que nos acompanha em diversas situações: na busca por emprego, na abordagem policial, no atendimento em lojas, ou mesmo no simples ato de ocupar espaços públicos. A pesquisa aponta algo que já vivemos há séculos: o racismo não é um problema do passado, mas um sistema vivo, que tolhe oportunidades, sufoca a liberdade e corrói o bem-estar de quem representa a maioria da população brasileira.
Mais alarmante ainda é perceber que essa percepção não é exclusiva dos negros. Muitos brancos também reconhecem que o preconceito racial existe, mas, na maioria das vezes, tratam o problema como algo distante, uma responsabilidade de "outros". Essa dissociação é perigosa porque perpetua a ideia de que o racismo é um problema individual, quando, na verdade, é estrutural.
Quando 112,7 milhões de brasileiros – 55,5% da população – têm sua dignidade comprometida, a questão deixa de ser apenas ética e se torna um entrave para o desenvolvimento do país. Uma sociedade que não garante liberdade plena a todos os seus cidadãos está condenada a viver em desigualdade, desperdiçando talentos, ideias e o potencial humano.
Mas a mudança não virá apenas de leis ou políticas públicas, embora sejam essenciais. Ela exige coragem para encarar nossos próprios preconceitos, para repensar privilégios e para transformar o modo como enxergamos o outro. É um trabalho coletivo, que começa nas conversas em casa, nas escolhas do que lemos, assistimos e ouvimos, e na pressão por mudanças no sistema educacional, na mídia e no mercado de trabalho.
A pesquisa não traz apenas um retrato sombrio; ela é também um convite à ação. Precisamos construir uma sociedade onde ninguém tema ocupar espaços, onde a cor da pele não determine o respeito que alguém merece. Essa luta não é só dos negros – é de todos que desejam um Brasil mais justo e verdadeiramente livre.
Enquanto isso, seguimos. Com resiliência, levantando a voz e ocupando espaços, porque o silêncio e a omissão nunca foram nossos aliados. Afinal, como disse Angela Davis, "numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista." Que possamos fazer mais do que lamentar os números: que possamos mudá-los.
Por: Paulo Pereira
Com informações da pesquisa do Instituto Locomotiva e da plataforma QuestionPro