O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em um vĂdeo apreendido pela PolĂcia Federal (PF) dizendo a ministros que era necessĂĄrio agir antes das eleições para que o Brasil não virasse "uma grande guerrilha". A gravação é de uma reunião da alta cĂșpula do governo feita em 5 de julho de 2022.
O vĂdeo foi divulgado pela jornalista Bela Megale, do jornal O Globo. A jornalista Andréia Sadi, do g1 e da GloboNews, também teve acesso ao material.
A gravação é uma das peças que embasaram a operação da PF contra militares e ex-ministros suspeitos de participarem de uma tentativa de golpe de Estado.
A PF encontrou o vĂdeo no computador de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid firmou acordo de delação premiada com a PolĂcia Federal, jĂĄ homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Segundo a PF, na reunião, o então presidente ordenou a disseminação de informações fraudulentas para tentar reverter a situação na disputa eleitoral.
"Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dĂșvida que a esquerda, como estĂĄ indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições", disse.
As supostas fraudes eleitorais alegadas por Bolsonaro ao longo de quatro anos de mandato nunca existiram. A lisura do processo e a confiança no resultado foram reafirmadas por autoridades nacionais e internacionais, diversas vezes.
Em outro ponto da reunião, Bolsonaro propõe que os presentes participassem da redação de um documento que afirmasse ser impossĂvel "definir a lisura das eleições" e incluĂsse elementos externos, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
"Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que estĂĄ pintado, estĂĄ pintado. Eu parei de falar em voto imp... e eleições hĂĄ umas trĂȘs semanas. VocĂȘs estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes."
Em nota divulgada na quinta, a OAB diz que "nunca foi procurada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ou seus interlocutores para a finalidade mencionada".
"A urna eletrônica é motivo de orgulho para o Brasil. A Ordem rejeitou as falsas acusações contra a Justiça Eleitoral por meio de notas, artigos, entrevistas, discursos e outros documentos. Fomos a primeira entidade civil a reconhecer a legitimidade dos resultados da eleição de 2022", diz a entidade.
Em trecho que jĂĄ havia sido divulgado pelo g1, a partir de transcrições feitas pela PolĂcia Federal e incluĂdas no inquérito das milĂcias digitais, Bolsonaro afirma que Lula venceria as eleições e que as pesquisas estariam certas, "de acordo com os nĂșmeros que estão dentro dos computadores do TSE".
Por outro lado, Bolsonaro diz no vĂdeo que o TSE cometeu um erro ao chamar as Forças Armadas para integrar a Comissão de TransparĂȘncia das Eleições.
"Eles erraram [ao incluir as Forças Armadas]. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que sou o chefe supremo das Forças Armadas?", afirmou.
Bolsonaro diz que TSE cometeu um erro e se beneficiou disso
Em outro trecho da gravação, o ex-presidente cita os ministros Edson Fachin, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e afirma que "estão preparando tudo para o Lula ganhar no 1Âș turno".
"Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar levanta braço. Acredita que são pessoas isentas, que tão preocupadas em fazer justiça, seguir a Constituição?", disse.
Bolsonaro dispara ataques aos ministros do STF durante reunião ministerial de julho de 2022
Gravação
A descrição da reunião ocupa mais de 10 pĂĄginas da decisão assinada pelo ministro Alexandre de Moraes e que resultou na operação Tempus Veritatus, deflagrada na quinta-feira (8).
Ao todo, foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva.
Outros trechos mostram ainda o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defendendo que o governo "virasse a mesa" antes das eleições para garantir a reeleição de Bolsonaro.
"Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições", afirmou Heleno na reunião.
Até o momento, apenas vĂdeos das falas de Jair Bolsonaro vieram à tona. A participação de outros convidados na reunião é descrita no relatório da PF, mas ainda não hĂĄ imagens divulgadas.
Em vĂdeo apreendido pela PF, Bolsonaro ordenou disseminação de fake news
Ainda segundo a investigação, os então ministros da Justiça, Anderson Torres, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, também discursaram na reunião. Nogueira, por exemplo, afirmou que o TSE seria "inimigo" do grupo bolsonarista.
De acordo com o resumo da PF, os membros do encontro, "todos ora investigados, prestando-se o ato a reforçar aos presentes a ilĂcita desinformação contra a Justiça Eleitoral, apontando o argumento de que as Forças Armadas e os órgãos de inteligĂȘncia do Governo Federal detinham ciĂȘncia das fraudes e ratificavam a narrativa mentirosa apresentada pelo então Presidente da RepĂșblica Jair Messias Bolsonaro".
A operação
- Havia 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva para serem cumpridos na operação Tempus Veritatis (que significa "hora da verdade", em latim), que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes. Veja aqui todos os alvos da operação.
- O passaporte de Jair Bolsonaro foi apreendido e ele estĂĄ proibido de falar com os investigados.
- O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foi alvo de um mandado de busca, mas acabou preso em flagrante por posse irregular de arma de fogo. Uma pepita de ouro foi apreendida com ele.
- Na sede do PL, foi encontrado na sala de Bolsonaro um documento que defende e anuncia a decretação de um estado de sĂtio e da garantia da lei e da ordem no paĂs.
- O relatório da PF afirma que o grupo agia em seis nĂșcleos para organizar uma tentativa de golpe de Estado. Veja detalhes aqui.
- Nomes próximos ao ex-presidente, como Braga Netto e Augusto Heleno, também foram alvos de busca e apreensão.
- O ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins, que, segundo a PF, foi quem entregou a minuta do golpe a Bolsonaro, e mais dois militares foram presos. Um quarto mandado de prisão foi expedido contra um coronel, mas ele não foi detido porque estava nos Estados Unidos, mas jĂĄ serĂĄ trazido ao Brasil. Veja aqui os motivos da Procuradoria-Geral da RepĂșblica para pedir as quatro prisões.
- A operação mirou ainda o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, com quem jĂĄ havia sido encontrada uma minuta do golpe, e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud, apontado como integrante do chamado "gabinete do ódio". Eles são acusados de integrar um nĂșcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral.
- O advogado Amauri Feres Saad, que teria prestado assessoria jurĂdica para a elaboração da minuta, também foi alvo da PF.
- Outro alvo foi um padre católico conservador de Osasco (SP) que, segundo a PF, assessorava na elaboração de minutas de decretos golpistas.
Da Redação com g1