Em segundo lugar nas pesquisas eleitorais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem adotado uma série de medidas na área econômica para enfrentar dois desafios em 2022: reduzir o impacto da alta da inflação e, ao mesmo tempo, tentar estimular a demanda e compensar a perda do poder de compra das famílias. Dois objetivos que, do ponto de vista econômico, são contraditórios.
A avaliação entre economistas é que o governo tem sido bem-sucedido ao contribuir para uma atividade econômica que se mostra mais forte que o esperado neste primeiro semestre. Já as medidas de combate à inflação –como a redução de tributos– podem até render dividendos eleitorais, mas trarão pouco ou nenhum alívio para o bolso do consumidor.
A primeira questão levantada é a forma encontrada para segurar os preços: as desonerações tributárias sobre diesel, produtos industrializados (com o corte do IPI) e a redução de imposto de importação de etanol e alguns insumos e alimentos.
Cortes de tributos nem sempre chegam ao preço final e, quando chegam, podem levar a um aumento de demanda que pressiona os preços em um segundo momento, afirma André Braz, coordenador do índice de preços ao consumidor do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Ele afirma que a primeira redução de IPI não resultou em desaceleração da inflação, e alguns produtos, como o carro zero, continuaram a subir de preço.
"Nem sempre o produto que fica mais barato consegue sustentar esse patamar por muito tempo. Ele fica barato no início, a demanda aumenta, o mercado reage a esse aumento de demanda subindo preço e o saldo desse benefício de redução de imposto é menor ainda", afirma Braz.
"É o governo tentando marcar uma posição. Ganha voto, ganha popularidade, mas o efeito prático não acredito que a gente vá colher."
Do lado da demanda, o governo já adotou diversas medidas, como a liberação de até R$ 1.000 do FGTS dos trabalhadores, a antecipação do 13º do INSS e a flexibilização do teto de gastos para liberar mais emendas parlamentares e viabilizar o Auxílio Brasil.
Elas se juntam à reabertura de diversas atividades após a queda no número de mortes por Covid, fatores que já levam o mercado a prever um crescimento do PIB no primeiro trimestre próximo de 0,5%, quando antes se falava até em queda.
Esse estímulo adicional também dificulta o trabalho do Banco Central para controlar uma inflação que está acima de 10% desde setembro do ano passado e deve estourar a meta pelo segundo ano consecutivo.
"Você tem, de um lado, uma política monetária cada vez mais restritiva. De outro, várias medidas para tentar suavizar a desaceleração da atividade econômica. Está brecando com um pé e acelerando com o outro. São contradições na condução da política econômica aos olhos da inflação", afirma Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original.
Ele também afirma que cortes de tributos ajudam a inflação a curto prazo a ser menor, mas que parte dessa redução pode virar uma margem maior de ganho para o produtor.
O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, afirma que Auxílio Brasil, resgate do FGTS e antecipação do 13º salário são alguns fatores que, ao lado da retomada das atividades, dificultam neste momento o trabalho do BC.
"Tem uma série de fenômenos que vão manter a demanda aquecida artificialmente no começo deste ano. O Banco Central fez muito, ele está em um território em que a atividade econômica deve ser freada, mas esses efeitos estão sendo escondidos pela questão da reabertura, dos impulsos fiscais, e assim por diante."
Já na avaliação do economista Heron do Carmo, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, da Universidade de São Paulo), a inflação alta até a eleição de outubro já está contratada e o governo não terá tempo suficiente para mudar o cenário.
"Eles podem conseguir uma pequena redução com combustíveis e energia, mas teria um recuo pontual em um determinado mês e depois voltaria a subir. Não tem muito o que o governo possa fazer, além de torcer para que o período entre maio e agosto, que costuma ser de inflação mais baixa, não tenha alguma surpresa."
Carmo acrescenta que há muitas incertezas pela frente, como a evolução da pandemia na China, os desdobramentos da Guerra da Ucrânia e a própria questão eleitoral. A perspectiva de geada também pode levar a uma alta não esperada no preço de alimentos no meio do ano.
"Agora, mesmo que tudo caminhe bem, o que se pode esperar é uma inflação rodando em torno de 9% em 12 meses, em setembro e outubro", diz.
Na semana passada, Bolsonaro afirmou que o corte do IPI não reduziu os preços, mas ajudou a evitar uma alta maior dos produtos industrializados. "Quando cortei IPI, por exemplo, ia subir muita coisa, veículos, motocicletas, linha branca. Não quer dizer que o IPI fez baixar o preço, mas não subiu."
O Congresso Nacional também tenta adiar os reajustes na conta de energia deste ano para 2023, evitando repercussão no bolso dos consumidores em ano eleitoral.
Alberto Ramos, do Goldman Sachs, afirma que a economia brasileira e as despesas das famílias se beneficiaram de uma quantidade razoável de estímulos fiscais nos últimos meses, como subsídios ao diesel e gás de cozinha, um programa de transferência de renda mais amplo, cortes de impostos e tarifas de importação, além do saque do FGTS e de aumentos salariais de dois dígitos para funcionários do setor público de estados e municípios.
A instituição elevou sua previsão de crescimento da economia brasileira neste ano de 0,6% para 1,25%.
"Não descartamos outras medidas para mitigar o impacto da inflação de dois dígitos e estimular o consumo das famílias antes das eleições de outubro", afirma o economista em sua revisão de cenário.
Ramos espera, no entanto, ventos contrários e intensos no segundo semestre.
Diversos economistas também revisaram para cima suas projeções de crescimento da economia em 2022 nas últimas semanas e também apontam para um segundo semestre –justamente o período eleitoral– de atividade menos intensa.
Fatores que estão contribuindo para um primeiro semestre melhor, como a reabertura da economia e medidas de antecipação de consumo, vão perder força. Além disso, os efeitos do aumento de juros aqui e nos EUA serão maiores.
"A safra de bons resultados econômicos pode estar com os dias contados", afirma Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa.
O próprio Banco Central, diz Leal, afirmou que o aperto das condições financeiras "cria um risco de desaceleração mais forte do que o antecipado nos trimestres à frente, quando os seus impactos tendem a ficar mais evidentes".
Fonte: Da redação com Folhapress