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O pós-abolição na Paraíba e as liberdades possíveis

Por Lucian Souza da Silva*

Era a tarde de um domingo, dia 13 de maio de 1888, quando se deu a aprovação da Lei Áurea, no Rio de Janeiro, então capital do Império. A notícia da aprovação da legislação que colocou fim a escravidão logo correu por todo o Brasil. Na Paraíba, chegou no início da noite, por meio de telegrama. Prontamente, foi organizada uma passeata que percorreu algumas ruas da Cidade da Paraíba, capital da Província. Os dias que se seguiram foram de festejos e comemorações dos políticos, dos jornalistas, dos estudantes do Liceu, dos militares e também dos libertos, os antigos escravizados.

A escravidão esteve entranhada nas relações sociais, políticas e econômicas da sociedade brasileira por mais de três séculos. Por outro lado, as pessoas escravizadas foram hábeis em elaborar diferentes formas de resistência, seja fugindo, formando quilombos, construindo laços familiares e de solidariedade, ou qualquer outra estratégia que possibilitasse se opor ao escravismo. Essas diversas formas de atuação foram responsáveis por minar as relações escravistas, resultando depois de um longo período no fim do trabalho compulsório. Desse modo, o 13 de maio não foi fruto da ação benevolente e humanitária de uma princesa, mas foi oriundo de um processo de deslegitimação provocado por cada pessoa escravizada que lutou por liberdade.

Na Paraíba, mesmo após o reconhecimento legal, muitos senhores não conferiram o direito de seus antigos escravizados e tentaram permanecer com o seu domínio senhorial, como uma última tentativa de prolongamento da escravidão. O sopro derradeiro de uma instituição horrenda e desumana. Nesse novo cenário, os personagens eram os mesmos. Desse modo, as pessoas negras, por sua vez, tiveram que elaborar outras formas de atuação e resistência. Era preciso tornar a liberdade legítima e socialmente reconhecida. A Lei precisava ser posta em prática. Foi o que aconteceu com Maximiana e seus filhos. Vejamos um pouco de sua história.


Quando ocorreu a assinatura da Lei Áurea, Maximiana morava na residência de seu proprietário com seis filhos. O mais velho chamava-se Miguel e possuía cerca de 12 anos de idade. Eles haviam nascido ainda no período de vigência da escravidão. De acordo com a chamada Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, essas crianças deveriam permanecer sob o domínio do senhor da mãe até completarem 21 anos de idade. E foi o que aconteceu até aquela data.

Após tomar ciência de que havia se tornado livre, juntamente com seus filhos, Maximiana saiu da casa de seu antigo proprietário, este, porém, não permitiu que a recém liberta levasse o seu primogênito, alegando que ainda possuía o direito de propriedade sobre o menino, e não houve rogos, não houve lágrimas que o comovessem. Miguel então ficou longe de sua família.

A pretensão de Maximiana era de que o mais velho auxiliasse na criação dos mais novos, além disso, "ele era seu filho e ela só queria o seu filho e só o seu filho", mas a força da Lei Áurea e todas as súplicas de uma mãe não foram suficientes para convencer o antigo senhor, "supondo talvez que o coração da mãe-preta é diferente do coração da mãe-branca, e que como a pele, os corações também são brancos e pretos" (Gazeta da Parahyba, 7 de junho de 1888).

Miguel continuou, ilegalmente, na dependência e sob domínio do antigo senhor de sua mãe, que o empregava a vender tabuleiro nas ruas da Cidade da Paraíba. O menino, então, aproveitando que o seu escravizador havia feito uma pequena viagem, "foi procurar o aconchego materno e aí encontrou o abrigo e o sossego, e mais que tudo isto, o colo de sua mãe e as carícias de seus irmãozinhos" (Gazeta da Parahyba, 7 de junho de 1888).

Ao voltar da dita viagem e saber do ocorrido, o escravizador ficou enfurecido, e, na mesma noite, foi até a choupana onde morava Maximiana, agrediu mãe e filho, levando o menino para sua residência. A mãe, desconsolada, procurou as autoridades. Primeiro recorreu ao Delegado de Polícia Augusto Galvão, este, por sua vez, levou o caso para o juiz de direito da Capital e, como resposta, obteve que "nada podia fazer, que não podia ser nem a favor dela, nem do ex-senhor" (Gazeta da Parahyba, 7 de junho de 1888). A conivência das forças policiais e do judiciário com os processos de exclusão da população negra não é um mal da nossa contemporaneidade.

Infelizmente, não sabemos o nome do antigo proprietário nem o desfecho dessa história, entretanto, nos parece que situações como esta foram comuns nos meses que se seguiram à assinatura da Lei Áurea na Paraíba, revelando que a liberdade não foi conquistada de forma imediata. Além disso, a ausência de um projeto que possibilitasse a inserção das pessoas negras egressas do cativeiro no mercado de trabalho e no acesso à terra, contribuiu para a permanência das estruturas excludentes que existem até hoje.

Para saber mais:

HEMEROTECA DIGITAL. Gazeta da Parahyba, 7 de junho de 1888. Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

FILHO, Walter Fraga. Encruzilhadas da liberdade. História de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

SILVA, Lucian Souza da. Esmagando a cabeça da Hidra: escravidão, liberdade e abolição na Paraíba do Norte, 1877-1888. 2021. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/41516.


*Professor de História da rede municipal de João Pessoa e integrante do Neabi-UFPB

Edição: Cida Alves

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