Dados apresentados na mesa-redonda do MTE pela advogada Laíssa Pollyana do Carmo, que trabalha para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), mostram é possível antever quem são os trabalhadores mais vulneráveis à exploração.
De acordo com Laíssa, dos 4 milhões de trabalhadores assalariados rurais em todo o país, 60% estão na informalidade (2,4 milhões de pessoas). Nos estados da Bahia e do Ceará, Maranhão, Pará e Piauí, a média de informalidade é ainda maior: oito de cada dez não têm carteira de trabalho assinada e não estão protegidos pela legislação trabalhista.
Três quartos dos trabalhadores têm ocupação temporária, isto é, só conseguem ocupação em momentos específicos do ciclo produtivo, como a colheita da safra de algumas culturas. Assim só têm remuneração como trabalhadores rurais assalariados em parte do ano, períodos que podem ser de até três meses.
Seis de cada dez trabalhadores assalariados rurais moram no campo e quatro vivem na periferia das cidades, onde as condições de moradia são mais precárias. Boa parte desses trabalhadores tem baixa escolaridade, 11% são analfabetos e 24% sabem ler, mas não ultrapassaram três anos de estudo.
Novas dinâmicas de exploração
Nas três décadas de combate ao trabalho escravo pelo MTE, 65.598 pessoas foram resgatadas em 8.483 ações fiscais. A organização não governamental (ONG) Repórter Brasil conseguiu esboçar o perfil de 85% dos trabalhadores resgatados e as rotas de imigração dessa força produtiva e, com isso, perceber alterações no quadro de exploração.
“A gente sempre dizia: ‘os maranhenses são os principais trabalhadores a serem resgatados, e o principal local de resgate é o Pará’. Se a gente pega a série histórica, sim, os maranhenses no Pará respondem por 36% de todos os trabalhadores resgatados, 53% deles estavam na pecuária. Só que, quando a gente pega os últimos cinco anos, vê que a maior parte dos trabalhadores está saindo da Bahia e indo para Minas Gerais, 42% deles [para trabalhar] nas lavouras do café”, diz coordenadora de projetos da ONG Repórter Brasil, Natália Suzuki.
Para Natália, as dinâmicas do trabalho escravo mudam muito depressa, e a política pública precisa ter a mesma velocidade. Assim, quem atua contra essa forma de exploração tem que fazer “trabalho de inteligência” e se antecipar. “A gente não pode pensar só em medidas reparadoras depois que o problema acontece. [A atuação] tem que ser preventiva.”
Monitoramento e reparação
Natália Suzuki defende medidas que evitem que, nas diferentes cadeias produtivas, o trabalho escravo continue sendo uma peça, uma escolha como modelo de produção.
A advogada Laíssa Pollyana do Carmo é favorável a um melhor acompanhamento das cadeias produtivas e considera “de extrema importância” cobrar responsabilidade de todas as empresas envolvidas no processo de transformação de matérias-primas em produtos finais.
De acordo com Laíssa, os trabalhadores mais vulneráveis à exploração como mão de obra escrava estão em “cadeias produtivas riquíssimas e exportadoras”, como a pecuária, as lavouras de cana-de-açúcar, soja, café, milho, horticultura, frutas, lavouras temporárias e produção florestal.
O procurador Luciano Aragão Santos assinala que, na ponta das cadeias produtivas, “as grandes indústrias desses setores não monitoram, não estão preocupadas com violação dos direitos humanos cometida por quem fornece o seu insumo, a matéria prima para o seu produto industrializado.”
A inércia muda, no entanto, quando o Ministério do Trabalho e Emprego divulga a lista suja de quem explora formas modernas de trabalho escravo. Conforme o procurador, “na hora”, a indústria corta relações comerciais com o fornecedor apontado, mas não se responsabilizam pelo que ocorria antes.
“É preciso que tais empresas adotem medidas para monitorar essa cadeia produtiva, para prevenir violação de direitos humanos”, diz Aragão, que defende que quem compra matéria-prima e outros insumos estabeleça contratualmente fiscalização efetiva. “Não basta suspender a aquisição, a gente tem que buscar a reparação.”
EBC