O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) denunciou nesta quinta-feira (9) por injúria racial o vereador Camilo Cristófaro (Avante). De acordo com a assessoria de imprensa do MP-SP, que confirmou a informação, a denúncia ainda não foi aceita pela Justiça criminal.
A denúncia foi oferecida pelo promotor Bruno Orsini Simonetti, do Gecradi (Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância). O representante do Ministério Público acusa o parlamentar em razão de ele ter xingado uma enfermeira, em 2020.
Ainda de acordo com a assessoria do MP-SP, o caso está em sigilo.
A GloboNews tenta contato com o gabinete do vereador, e o posicionamento será incluído na reportagem após retorno
Em maio deste ano, a Polícia Civil concluiu inquérito sobre essa investigação. Isso ocorreu na mesma semana em que o parlamentar foi flagrado usando uma frase racista no plenário da Casa, durante participação online na sessão da CPI dos Aplicativos.
Na investigação, a enfermeira Dilza Maria Pereira da Silva acusava Cristófaro de xingá-la, aos berros, de "Negra safada, e além de negra safada era uma negra ladra sem poder nenhum de voz (sic)" durante um evento no Conjunto Residencial Parque do Gato, na região central da cidade.
No inquérito finalizado pela polícia, o delegado Paulo César da Costa afirma que o fato foi presenciado por inúmeras pessoas e que "todos os depoimentos corroboram para a ocorrência de crime de injúria racial" por parte de Camilo Cristófaro.
O vereador Camilo Cristófaro (Avante) em conversa com o colega Toninho Vespoli (PSOL) na Câmara Municipal de São Paulo. — Foto: Afonso Braga/Rede Câmara
O que diz o parlamentar
Na ocasião da conclusão do inquérito, o g1 procurou o gabinete do vereador na Câmara Municipal, mas não recebeu retorno.
Em depoimento prestado à polícia, entretanto, Cristófaro reconheceu que esteve na comunidade do Bom Retiro na época, mas negou que conheça a mulher que o acusa de injúria e afirmou que não sabe o motivo de enfermeira inventar inverdades contra ele.
O vereador também declarou que o que pode estar por trás do caso é um processo de reintegração de posse da área da associação por parte da Prefeitura de SP, mas que parte da comunidade pode imputar a ele a culpa do processo.
Faixa em homenagem ao vereador Camilo Cristófaro colocada na comunidade do Conjunto Residencial Parque do Gato, na região central da cidade, na ocasião da visita do parlamentar no local, em maio de 2020. — Foto: Reprodução/Polícia Civil
Cristófaro disse que iria tomar medidas legais contra a enfermeira, "em virtude de declarações levianas de que está sendo vítima".
Por meio de nota, a Presidência da Câmara afirmou que não tinha nenhum conhecimento sobre este caso envolvendo a enfermeira e afirmou que "a cidadã ofendida pode e deve procurar a Corregedoria da Câmara para denunciar".
Análise do Ministério Público
Após a conclusão do caso, o Ministério Público de São Paulo pediu a remessa do inquérito para o Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (GECRADI), do próprio MP, para análise e posterior denúncia do vereador à Justiça.Ao remeter o processo para o grupo especial, a promotora Anne Marie Karsten, disse que "há indícios da prática do crime de injúria qualificada por emprego de termos preconceituosos relacionados à cor da vítima" que justificam a denúncia de Cristófaro à Justiça.
Prédio do Ministério Público de São Paulo, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação
"Os delitos em comento são abrangidos pelo artigo 4º, inciso II, alíneas "k" e "l", da Resolução supracitada, atraindo, portanto, a atuação do Grupo Especial. Assim, declino da atribuição e requeiro a remessa do presente ao GECRADI, para as providências que entender cabíveis", escreveu a promotora.
Investigação na Câmara Municipal
O vereador é alvo de um processo disciplinar na Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo por ter sido flagrado usando termos racistas durante uma sessão da CPI dos Aplicativos, em 3 de maio.
Na ocasião, Cristófaro participava da sessão de forma remota e o microfone aberto dele vazou no plenário dizendo a frase "é coisa de preto, né? (ouça abaixo).
Naquela data, o vereador admitiu que a voz era dele e deu duas versões diferentes para a frase. Primeiro, disse que falava sobre carros. Depois, que se dirigia a um amigo negro, a quem tem muita intimidade.
"Eu tive uma fala lamentável, muito fora de contexto no momento que eu estava conversando com outra pessoa. E essa pessoa é uma pessoa afro, que é meu amigo e meu irmão. Nós estávamos brincando. E uma brincadeira infeliz", afirmou.As justificativas não foram suficientes para que os vereadores do PSOL e o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), acionassem a Corregedoria da casa contra o vereador por quebra de decoro parlamentar.
Histórico
No último dia 3 de maio, Cristófaro foi flagrado pelos microfones do plenário principal da Câmara usando termos racistas numa conversa vazada durante a CPI dos Aplicativos.
No mesmo dia, o vereador reuniu funcionários do gabinete dele que são negros, gravou um vídeo nas redes sociais dizendo que não é racista e disse se tratar de uma "fala lamentável".
No vídeo, Cristófaro voltou a dizer que a frase "é coisa de preto, né?" estava fora de contexto e foi falada durante uma conversa com um amigo negro, mas que se trata de uma "brincandeira infeliz".
"Eu nunca fui, não sou e nem nunca serei racista. Isso aprendi com meu pai, com a minha mãe, minha família e minha origem", completou (veja vídeo acima).
A justificativa é seguida por depoimentos dos funcionários negros da equipe do parlamentar, que narram o dia a dia de trabalho com o vereador e as ações sociais dele nas comunidades da capital paulista.
Reação da oposição
A vereadora Luana Alves (PSOL), que participava da CPI dos Aplicativos na Câmara no momento em que o áudio vazou, afirmou que Cristófaro colocou os funcionários de gabinete em "situação completamente constrangedora" no vídeo."É muito comum as pessoas que cometem atos racistas, para se justificarem, colocam algum tipo de salvaguarda, a relação delas com pessoas negras. A relação de trabalho, amizade e parentesco. É uma pratica muito antiga do racismo e não isenta ninguém de ter tido uma atitude racista", declarou a vereadora.
A vereadora Luana Alves (PSOL) ao lado das colegas de bancada na Câmara Municipal de São Paulo. — Foto: Afonso Braga/CMSP
"O que acontece é que ele colocou esses funcionários dele numa situação completamente constrangedora, numa situação terrível, já que existe uma relação hierárquica. É mais lamentável ele repetir o discurso feito no Colégio de Líderes no mesmo dia que aconteceu o fato, que já foi muito, muito terrível. Porque é não admitir, não repensar. Não parar e refletir que de fato foi racista e continuar negando", completou.
União Brasil
Os vereadores do PSOL e o diretório do partido União Brasil em São Paulo registraram queixa-crime contra Cristófaro no Ministério Público de São Paulo , pedindo investigação do parlamentar pelo ato na CPI.
Na representação do União Brasil, assinada pelo deputado Alexandre Leite, filho do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, o partido chamou a frase de "criminosa e repugnante".
"É lamentável e inaceitável a ocorrência do referido episódio racista em qualquer ambiente, sobretudo na Câmara Municipal de São Paulo, Casa da democracia, que deve acolher e zelar pelo respeito a todos. Infelizmente, o parlamentar é reincidente nesse tipo de conduta inadequada. Em 2019, chamou o Vereador Fernando Holiday (NOVO) de "macaco de auditório", no plenário da Câmara Municipal de São Paulo", declarou Alexandre Leite na representação ao MP.
Saída do PSB
Por causa do escândalo, o PSB, ex-partido de Camilo Cristófaro, desfiliou o vereador da legenda, atendendo pedido do próprio parlamentar. Segundo o partido, o pedido equivale a uma expulsão e foi tomado em comum acordo com as principais lideranças da legenda.
"No primeiro momento, a ideia era abrir o processo no Conselho de Ética para garantir o direto de defesa. Mas houve uma cobrança interna muito forte de membros do partido exigindo uma solução mais rápida. O próprio Camilo mandou uma carta no dia 28 de abril em pede o afastamento, e nela ele cita um artigo da Constituição que permite o desligamento com a anuência da direção do partido. Então aceitamos essa desfiliação. E juridicamente ela equivale ao processo de expulsão, então ele não faz mais parte do quadro do partido", disse ao g1 Jonas Donizette, presidente estadual do PSB.
Da Redação com G1