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25% da população das metrópoles vive em situação vulnerável, com renda de no máximo 1/4 do salário mínimo

Após 5 trimestres de leve recuperação, rendimento dos brasileiros mais pobres voltou a cair no começo de 2022 e aumentou a fatia de lares cuja renda média per capita do trabalho não passa de R$ 303 por pessoa, aponta estudo.

Foto: Ascom
Foto: Ascom

A renda média dos mais pobres voltou a cair no 1º trimestre, elevando para 25,2% a fatia da população nas regiões metropolitanas do país que vivem em lares cujo rendimento médio per capita é de no máximo 1/4 do salário mínimo, ou seja, R$ 303 por pessoa.

Em números absolutos, subiu para 21,1 milhões o total de pessoas em situação de vulnerabilidade social nas metrópoles, com rendimentos muito baixos. No final de 2021, o percentual tinha recuado para 23,6%, depois de ter atingido 29,7% em 2020, na fase mais aguda da pandemia.

Os dados estão na oitava edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles, antecipado com exclusividade ao g1. O estudo foi produzido por pesquisadores da PUC-RS, do Observatório das Metrópoles e da Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), a partir dos dados da PNAD Contínua trimestral do IBGE.

Vida no aperto

R$ 140 por mês – menos de 1/8 do salário mínimo. É com isso que vive Ana Paula.

"Vivemos assim: hoje a gente come carne na mistura, amanhã come arroz e feijão, depois de amanhã a gente come sem o feijão. É assim que vamos levando", contou Ana Paula Jorge, 43 anos, que vive junto das três filhas na comunidade Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio.
Ana Paula vinha mantendo o lar com pouco mais de um salário mínimo que recebia pelo trabalho com carteira assinada em um restaurante na Lagoa, bairro nobre da Zona Sul carioca. Demitida em março, mesmo mês em que a filha mais velha, de 23 anos, também perdeu o emprego, ela passou a contar apenas com R$ 140 que a avó paterna da filha do meio, de 14 anos, paga a título de pensão alimentícia.

"O pai da caçula dá alguma coisa, de vez em quando. Eu vinha fazendo empadão para vender, mas as coisas ficaram tão caras que eu não estou conseguindo comprar mercadoria para fazer mais. O aluguel, de R$ 500, eu não estou pagando e a minha sorte é que na comunidade não pagamos água e luz", enfatizou Ana Paula.

Questionada sobre o futuro, ela diz não se desesperar, embora não saiba o que fazer para mudar a situação.

"Já espalhei currículo, já fiz entrevistas e até em casa de família está difícil conseguir alguma coisa como diarista. Meu nome está sujo e eu não tenho como fazer nada para mudar isso", lamentou.

Geladeira na casa de Ana Paula Jorge, que vive com três filhas em uma comunidade na Zona Sul carioca, expõe a fragilidade alimentar a família — Foto: Arquivo Pessoal

Geladeira na casa de Ana Paula Jorge, que vive com três filhas em uma comunidade na Zona Sul carioca, expõe a fragilidade alimentar a família — Foto: Arquivo Pessoal

Renda do trabalho tem queda

A pesquisa revela também que, entre os 40% mais pobres, a renda média domiciliar per capita proveniente do trabalho voltou a cair após 5 trimestres de recuperação, ficando em R$ 240,79, contra R$ 245,55 no final de 2021, se mantendo abaixo do valor pré-pandemia (R$ 286).

A renda média foi calculada a partir da soma de todos os rendimentos provenientes exclusivamente do trabalho, incluindo o setor informal, dividida pelo número de moradores por domicílio nas regiões metropolitanas, com preços deflacionados até o 1º trimestre pelo IPCA.

Essa é a realidade na família de Nayara Araújo, de 35 anos, mãe de três filhos menores, que também vive na comunidade do Santo Amaro, no Rio. Ela foi demitida do emprego de recepcionista no fim do ano passado e a única fonte de renda da família passou a ser o salário do marido, que trabalha como garçom.

"Ele ganha um salário mínimo líquido. A nossa sorte é que não pagamos aluguel, nem água e nem luz. Mas a gente estava acostumado com um padrão de vida que não pudemos mais manter. As crianças que sofrem mais, principalmente com a falta do lanche na escola, que precisamos cortar", contou Nayara.

Nayara Araújo conta que os três filhos, todos menores, são os que mais sofrem com a queda da renda familiar mensal, que passou a ser de R$ 242 por pessoa — Foto: Arquivo Pessoal

Nayara Araújo conta que os três filhos, todos menores, são os que mais sofrem com a queda da renda familiar mensal, que passou a ser de R$ 242 por pessoa — Foto: Arquivo Pessoal

A maior mudança no padrão de vida da família se deu na alimentação. As carnes vêm sendo substituídas por salsicha, linguiça, ovo e, com menor frequência, frango. Os passeios com os filhos perderam a parte final, na lanchonete.

As crianças é que sentem mais o impacto. Antes a gente sempre compra biscoitos recheados e outras guloseimas. Hoje, a gente compra só de vez em quando. O que eu mais sinto falta mesmo é de carne. Eu gosto de carne boa, e não dá mais para comprar. A gente passou a comer frango, mas eu nunca gostei de frango", reclamou.

Sem rendimento próprio para ajudar a compor a renda familiar, Nayara disse ter sido inevitável contrair dívida, algo que ela e o marido evitavam a todo custo. "Faz uns quatro meses que precisei parcelar a fatura do cartão e hoje a dívida já está em torno de R$ 1,2 mil, ou seja, um salário mínimo, que é justamente o que meu marido ganha", lamentou.

Impactos da inflação

Segundo o estudo, o aumento da proporção de lares vivendo com até ¼ do salário-mínimo por pessoa explicita o drama social das famílias mais pobres em meio aos impactos da inflação nas alturas e da recuperação ainda frágil da economia, evidenciado a importância de políticas sociais e de programas de complemento de renda.

"O rendimento do trabalho corresponde a 70% da renda domiciliar em geral. Então, esse resultado expressa uma situação de vulnerabilidade social e que pode vir a expressar uma situação de pobreza", afirma Marcelo Ribeiro, coordenador da pesquisa e professor do IPPUR/UFRJ, acrescentando que as classificações de linha de pobreza costumam incluir também os rendimentos provenientes de auxílios e benefícios do INSS.

No Nordeste, percentual chega a quase 40%

Em 12 das 22 regiões metropolitanas do país, o percentual de indivíduos vivendo em lares com rendimento per capita de no máximo R$ 303 ficou acima de 30%. As maiores proporções foram registrados nas regiões de João Pessoa (39,6%), Recife (39,4%) e de Maceió (37,3%), e as menores nas regiões de Goiânia (17,8%), Curitiba (16,8%) e Florianópolis (16,1%).

Veja no ranking abaixo:

O estudo estima em mais 80 milhões de brasileiros a população nas 22 principais regiões metropolitanas do país, o que significa aproximadamente 40% da população brasileira.

1,8 milhões de crianças em situação de vulnerabilidade

Outro dado ainda mais preocupante é que a taxa de crianças em situação de vulnerabilidade social nas metrópoles subiu para 29,2%, voltando a se aproximar do patamar próximo ao registrado no auge da pandemia: 32,2%.

No 1º trimestre de 2022, havia 1,8 milhões de crianças vivendo em lares com rendimentos do trabalho inferiores a ¼ do salário-mínimo per capita. "É um número maior que o da população total de Regiões Metropolitanas como Natal, João Pessoa, Maceió ou Florianópolis", destaca o relatório.
As famílias com rendimento domiciliar per capita abaixo de um quarto salário mínimo tendem a ter um número de crianças maior na composição a composição familiar. É um drama social principalmente por se tratar de crianças de até 5 anos, na medida em que a renda é fundamental para garantir condições de alimentação e desenvolvimento humano e cognitivo. Estamos comprometendo uma geração, com consequências mais adiante no processo de entrada no mercado de trabalho", diz Ribeiro.

Renda média da população renova mínima histórica

Segundo o estudo, a média de rendimentos nas metrópoles manteve o movimento de queda no início de 2022, atingindo nova mínima de toda a série histórica iniciada em 2012, com o valor de R$ 1.405,73. Na comparação com a situação pré-pandemia (1º trimestre de 2020), o encolhimento é de 10,8%.

O rendimento médio dos 10% mais ricos também caiu de R$ 6.587 no final de 2021 para R$ 6.402 no 1º trimestre. Já a renda dos 50% intermediários ficou praticamente estável, em R$ 1.359 – com todos os extratos ganhando menos que o patamar pré-Covid.

Segundo os pesquisadores, a queda da renda dos trabalhadores é explicada principalmente pela inflação persistente e por uma recuperação ainda lenta do mercado de trabalho, baseada na abertura de vagas de baixa remuneração e geralmente na informalidade.

Andre Salata, professor da PUC-RS e outro coordenador do estudo, explica que, em termos nominais, ou seja, desconsiderando a inflação, houve aumento de 1,98% da renda média geral e de 0,58% na renda média dos mais pobres no último trimestre. "Ou seja, em um cenário hipotético de inflação zerada, o poder de compra da população como um todo, incluindo os mais pobres, estaria aumentando", afirma.

Vale lembrar, entretanto, que a renda média dos 40% mais pobres já vinha caindo antes mesmo da chegada da pandemia. Na máxima da série histórica, no final de 2013, chegou a R$ 343, mas ainda estava em R$ 286 antes da chegada da crise trazida pelo coronavírus. No começo de 2000, na fase mais aguda da pandemia, desabou para R$ 190 e, após 5 trimestres de alta, recuou para o patamar de R$ 240 no 1º trimestre deste ano.

"Nos últimos trimestre a recuperação tem sido muito lenta, e agora a gente tem uma nova queda. A situação é dramática porque é também uma uma empobrecimento de longa duração, e isso traz consequências sociais terríveis, porque as famílias vão queimando recursos para poder sobreviver nesse período, e essa agonia não passa", afirma o professor da PUC-RS.

O estudo destaca ainda que a desigualdade de renda nas metrópoles permaneceu no 1º trimestre em patamares alarmantes: os 10% mais ricos ganharam, em média, 28,8 vezes mais que os 40% mais pobres.

Em razão da renda média dos mais ricos ter recuado com uma taxa ligeiramente maior, a desigualdade medida através do coeficiente de Gini – que varia de 0 até 1, sendo mais alta quanto maior for a desigualdade – recuou para 0,595 no 1º trimestre, conta 0,602 no 4º trimestre, retomando o patamar pré-pandemia.

"Uma redução das desigualdades onde todos perdem não pode ser comemorada como aumento da equidade social", resume Salata.

Fonte: Da Redação com G1

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