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Ciências

Qual o risco de doenças presentes em animais no Brasil passarem a humanos? Estudo revela mamíferos potenciais; veja quais são

Análise mostra que dezenas de espécies frequentemente caçadas de modo ilegal podem causar mais de 70 doenças. Estados sob influência da Floresta Amazônica estão mais suscetíveis a emergências ocasionadas por essas zoonoses.

Estudo encontrou 63 mamíferos propícios a causar mais de 70 diferentes doenças. Foto mostra colagem com macaco-prego (ao topo, esquerda), cachorro-do-mato (ao topo, direita), gambá (esquerda)e tatu-ga
Estudo encontrou 63 mamíferos propícios a causar mais de 70 diferentes doenças. Foto mostra colagem com macaco-prego (ao topo, esquerda), cachorro-do-mato (ao topo, direita), gambá (esquerda)e tatu-ga

Um estudo que teve a participação de pesquisadores da Fiocruz revelou que ao menos 63 mamíferos encontrados no Brasil estão associados a parasitas propícios a causar mais de 70 diferentes doenças.

Segundo o artigo, que foi publicado na revista científica internacional Science Advances e teve o financiamento do CNPq, essas espécies, que em sua maioria são frequentemente caçadas de modo ilegal no Brasil, têm o potencial de causar danos graves à saúde pública, caso ocorra o chamado "transbordamento" (do inglês, spillover), quando infecções de origem animal passam a ocorrer em outras espécies, incluindo humanos.

Entre as principais espécies citadas na pesquisa estão nomes conhecidos da população brasileira, como o cachorro-do-mato (ou raposa do campo), o macaco-prego, o tatu, o gambá (também chamado de timbu), a cutia, o jaguarundi, o veado-catingueiro, a preguiça-real, o javali, o sagui-de-tufo-branco, entre outros.

"Para chegar nesse número a gente fez um levantamento de espécies que são caçadas no território brasileiro e buscamos em base de dados e na literatura parasitas associados a esses animais", explica ao g1 Gisele Winck, autora do artigo e pesquisadora do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios da Fiocruz.

Winck conta que esses animais têm uma diversidade maior de parasitas e são caçados por propósitos diferentes, como o tatu, o gambá e o macaco-prego. "Já a raposa do campo é caçada por uma questão de controle: as pessoas acham que ela é um potencial predador de galinha", diz.

O estudo ressalta que a expansão das atividades humanas para regiões de matas e florestas, naturalmente habitadas por esses animais silvestres, é um aspecto que favorece esse transbordamento.

Por isso, como era de se esperar, embora o risco exista no país inteiro, estados sob influência da grande biodiversidade da Floresta Amazônica estão mais suscetíveis a emergências ocasionadas por essas doenças que são chamadas de zoonoses.Sagui-de-tufo-branco tem origem da Caatinga e distribui-se em todo o país. — Foto: Ananda Porto / TG

Sagui-de-tufo-branco tem origem da Caatinga e distribui-se em todo o país. — Foto: Ananda Porto / TG

No estudo, os pesquisadores fizeram um modelo científico para avaliar o risco de surgimento de zoonoses em cada estado brasileiro, que leva em conta dados de 20 anos atrás e fatores como vulnerabilidade, exposição e capacidade de enfrentamento à emergência sanitária.

Para a construção da ferramenta de avaliação, a pesquisa considerou as seguintes doenças de notificação obrigatória: doença de chagas, febre amarela, febre maculosa, leishmaniose tegumentar e visceral, hantavirose, leptospirose, malária e raiva.

"A nossa pesquisa é retroativa: são casos de zoonoses que já aconteceram no nosso país, até 2019", detalha Winck.

Depois da construção do modelo, os pesquisadores classificaram o nível de risco por estado. O Maranhão por exemplo, que tem cerca de 34% do seu território coberto pela floresta tropical, foi apontado como área com alto risco. Já o Ceará, estado vizinho, onde a Caatinga prevalece, apresenta baixo risco no surgimento de novas doenças.

"A Floresta Amazônica é uma região com alta diversidade de mamíferos selvagens e que vem sofrendo grande perda da cobertura florestal. Muitas espécies estão ficando sem habitat devido ao desmatamento, gerando desequilíbrio na dinâmica local", explica à agência de notícias da Fiocruz, Cecília Siliansky, outra autora do artigo.

Um detalhe importante que os pesquisadores ressaltam no artigo é que há um provável viés de amostragem para espécies mais abundantes, como o cachorro-do-mato e o macaco-prego, já que esses animais também podem interagir com mais frequência com humanos, pois essas espécies ocorrem também em áreas urbanas e parques dentro de cidades.

"As cidades fazem parte do ambiente natural. Os ambientes dentro e fora das cidades fazem parte da transmissão de zoonoses. Precisamos de vegetação dentro de cidades, precisamos de uma política integradora para evitar esses riscos", acrescenta Winck.

"E todas essas doenças são preocupantes, mas aquelas que ainda não conhecemos são mais ainda. Uma boa parte dos parasitas a gente ainda nem conhece", diz.

Carne de caça e populações tradicionais

A pesquisadora ressalta ainda que essas infecções podem ocorrer por diversas etapas, quando humanos adentram florestas e ficam expostos a patógenos como mosquitos e carrapatos, ou até mesmo no ato da caça, quando caçadores sofrem cortes ou arranhões que entram em contato com fluidos animais

Outra forma de transmissão é no preparo da carne, quando há o contato direto com vísceras, que também são comumente oferecidas como alimentos crus para cães e gatos de estimação; e no consumo final da carne, caso ela não seja bem armazenada ou cozida.

Como muitas populações tradicionais utilizam carne de caça para a sua subsistência, a pesquisa destaca também que para prevenir esses surtos zoonóticos é preciso garantir a segurança sanitária através de políticas públicas de saúde que estimulem o monitoramento de toda a cadeia produtiva.

"É algo que precisa ser bastante discutido e avaliado. A caça é autorizada apenas para os povos tradicionais, porém ela continua ocorrendo fora desses grupos e serve como fator de interação entre pessoas e animais silvestres reservatórios de patógenos", acrescenta Siliansky.

"Infelizmente, todos acabam sendo tratados erroneamente como iguais. É preciso diferenciar populações que dependem desse consumo como fonte de proteína daqueles que atuam no tráfico de animal silvestre ou caça esportiva", lembra a pesquisadora.

Fonte: Redação do blog com g1

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