"Tem que mandar um e-mail com fotos para a supervisora autorizar que coloque tranças". A vendedora Gessica Justino ouviu a frase acima dita pelo gerente da loja de telefonia da qual era funcionária, após contar que pensava em mudar o penteado.
Era a segunda vez que ela pretendia usar tranças naquele local de trabalho. Um ano antes, a carioca adotou os dreads e acabou sendo constrangida pela supervisora diante de cerca de 20 pessoas, em uma reunião.
A mulher disse que aquele cabelo "não era padrão da empresa" e que parecia "mais um cabelo para uma feira hippie". "Se quiser estar aqui, tem que se adequar a um padrão", afirmou.
"Existe uma régua [invisível] no mercado de trabalho sobre qual é o padrão do cabelo profissional, que exclui mulheres de cabelos cacheados ou crespos", diz a especialista em diversidade e inclusão em empresas Luana Genót.
A advogada em direito antidiscriminatório Luana Pereira explica que casos como esse são vistos como discriminação por conta da raça, etnia ou religião e podem ser considerados racismo.
Quando a situação é vivida dentro da empresa, a recomendação da especialista é que a vítima busque a Justiça do Trabalho (veja mais orientações ao fim da reportagem).
Foi o que Gessica fez: em 2011, ela entrou com uma ação por danos morais no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. Depois de seis anos, a vendedora ganhou o processo em primeira instância e a empresa não recorreu.
Gessica afirma que, embora tenha sido "ferida" pelo preconceito, saiu "fortalecida para as próximas jornadas".
Reprovação em entrevistas
Uma pesquisa global divulgada recentemente pelo LinkedIn mostrou que os cabelos de mulheres negras têm 2,5 vezes mais chances de serem percebidos como "não profissionais".
O levantamento, feito em parceria com uma marca de produtos de higiene pessoal, ouviu 2.990 mulheres com idades entre 25 e 64 anos.
25% das entrevistadas afirmaram ter sido reprovadas em entrevistas por causa do cabelo.
Foi o que aconteceu com a contadora Ana Maria Duarte, de Belo Horizonte. Ela começou a usar produtos para alisar o cabelo na adolescência, em 2005, por decisão da mãe. E continuou ao longo da vida adulta, segundo ela, para se sentir aceita no mercado de trabalho.
Outra conclusão da pesquisa é que o preconceito contra o cabelo natural de mulheres negras pode afetar a maneira como as candidatas participam dos processos seletivos.
Ao todo, foram 13 anos alisando o cabelo. Ana não se lembra de ter convivido na sua profissão com mulheres negras de cabelos naturais, apenas mulheres brancas.
Com a pandemia e o isolamento social, a empreendedora decidiu assumiu seus cachos. O maior motivo da sua transição para o cabelo natural foi a sobrinha Elis, de cinco anos.
Por Elis ser uma menina preta de cabelos crespos, a tia se perguntava se ela teria referências de pessoas pretas durante o seu crescimento.
Ana e a sobrinha Elis — Foto: Reprodução
Preocupada, Ana começou a conversar com as irmãs e com as amigas sobre o assunto. Depois de diversas trocas, ela percebeu, aos 29 anos, que também era uma mulher preta.
Para a especialista em diversidade Luana Genót, a solidão de pessoas negras no trabalho é algo comum e acontece tanto no setor público quanto privado.
Ela acredita que, se o governo tivesse políticas afirmativas, como cotas para a entrada nas empresas, isso seria um meio de ampliar as oportunidades.
O que fazer se for vítima de discriminação
Caso passe por alguma situação de racismo ou injúria racial no ambiente de trabalho, a advogada Luana Pereira, orienta que a vítima reúna provas para a comprovação do crime.
"Em caso de conversas, se acontecer uma situação de racismo, é importante gravar ou filmar. Se for por e-mail ou mensagens de WhatsApp, tire 'print' e salve no (Google) Drive (por exemplo), porque, às vezes, você pode perder o celular ou ele pode ser roubado e as provas serem perdidas", explica.
Fonte: Da Redação do blog com g1