Vídeos gravados pela Mídia Ninja, que viralizou nas redes sociais, mostram um homem negro de 34 anos com as mãos e os pés amarrados e unidos nas costas enquanto é preso pela Polícia Militar (PM) no Centro de São Paulo (veja acima). A Ouvidoria da Polícia, que recebe denúncias sobre a atividade policial, recebeu as imagens e repudiou como a abordagem foi realizada pelos policiais militares. Pediu ainda para a Corregedoria da PM apurar a conduta dos agentes.
"A Ouvidoria repudia esta ação, que nada tem a ver com qualquer procedimento sobre abordagem que respeite a dignidade humana, mas que, infelizmente, se repete quase como método", disse o ouvidor Claudio Silva, nesta sexta-feira (1º) ao g1.
As imagens foram feitas por Pedro Madeira, da Mídia Ninja. Em sua página, o coletivo de jornalistas e colaboradores independentes informou que o caso ocorreu na tarde desta quinta-feira (30) na Rua Santo Amaro, na Bela Vista.
Segundo a Mídia Ninja, o homem, que não havia sido identificado, reagiu a uma ofensa que recebeu de uma mulher, que o xingou de "macaco". É possível ouvir algumas pessoas gritando "racistas" para um grupo de mulheres que pareciam comemorar a prisão.
"Estava dentro dos Correios, quando uma discussão em voz alta começou do outro lado da calçada. Algumas pessoas já estavam dizendo que uma das mulheres teria chamado o homem de 'macaco'. A polícia chegou já com uma abordagem violenta. As pessoas desceram a calçada, o homem estava gritando, no porta-malas do carro", disse Pedro ao g1. "Enquanto agentes imobilizavam o homem no carro, outro policial pegou a corda e começou a amarrá-lo. As mulheres, que estavam discutindo com o homem, estavam chorando e os locais chamando elas de 'racistas'."
"A repetição de atos de barbárie com métodos análogos à tortura da ditadura militar, para coibir uma discussão de rua, com ofensas de cunho racista ao homem, são perceptíveis nos vídeos e fotos recebidos e que instruirão o procedimento e serão encaminhados à Corregedoria da Polícia Militar, para as apurações e medidas correcionais cabíveis", falou o ouvidor.
Desde setembro de 2023 a Justiça de São Paulo proibiu a Polícia Militar de usar cordas, arames, fios, grilhões ou qualquer instrumento semelhante para conter pessoas detidas durante abordagens ou prisões no estado.
A decisão judicial ocorreu após análise de uma ação civil pública que pedia reparação pela prisão de um outro homem negro em junho. Ele teve mãos e pés amarrados por policiais militares após ter sido acusado de furtar chocolates de um mercado na Zona Sul. Vídeos gravados por testemunhas também mostram a ação (veja abaixo).
A 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou que a PM de São Paulo cumpra a regra do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê o uso de algemas — e não de outros métodos — para conter pessoas que estejam resistindo à prisão ou possam fugir. E ainda obriga o uso de câmeras corporais pelos policiais nas abordagens.
A determinação liminar é de 13 de setembro e deu prazo de 90 dias para as medidas serem cumpridas. No caso de descumprimento, caberá aplicação de multa de R$ 100 mil ao estado
VÍDEO: suspeito de furtar produtos em mercado da Zona Sul de SP tem mãos e pés amarrados com corda por policiais
Justiça de SP determina que os PMs usem câmeras corporais e proíbe a utilização de cordas para amarrar suspeitos
"Condições similares às ocorridas no triste episódio de 4 de junho deste ano na Vila Mariana, São Paulo, ferindo diretamente os direitos da pessoa humana. E descumprindo, ao mesmo tempo, decisão judicial da 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo e orientação da própria corporação que à época afirmou que 'a conduta dos policiais não é compatível com o treinamento e valores da instituição'", falou Claudio.
Policiais amarram homem dentro de UPA na Zona Sul de SP
Policiais amarram homem dentro de UPA na Zona Sul de SP
O que dizem a SSP e a PM
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP), responsável pela Polícia Militar, informou que a corporação analisa as filmagens e está apurando se os PMs cometeram alguma irregularidade.
"A Polícia Militar informa que todas as circunstâncias relativas ao caso são apuradas pela PM e as imagens já estão sob análise", informa trecho do comunicado da Secretaria.
Por meio de nota, a pasta informou que o homem detido é "suspeito de importunação sexual", e que ele foi detido durante patrulhamento. A SSP não informou, porém, por que ele não foi responsabilizado por isso.
Ainda, de acordo com a nota da SSP, o homem "estava bastante agressivo, chegando a atingir uma mulher com uma pedra no joelho e ameaçar os policiais. Ao ser detido, ele quebrou o vidro da viatura com chutes, sendo contido para preservar sua integridade física e das demais pessoas."
A pasta não respondeu também qual foi o objeto usado pelos policiais para amarrar os membros do homem e se isso faz parte do Procedimento Operacional Padrão (POP) da corporação.
Nas imagens é possível vê-lo com as mãos e pés presos às costas por um material que parece ser uma corda. Enquanto isso, o homem permanece com o peito e rosto no asfalto. Ao seu lado estão policiais armados e viaturas da PM. Em seguida ele é colocado numa viatura.
Segundo o boletim de ocorrência do caso, ao qual a reportagem teve acesso, os policiais informaram que "foi necessário o uso de algemas e amarrar as pernas" do suspeito "para proteger a integridade física dele e das outras pessoas no local".
O homem, que não teve o nome divulgado pela SSP, foi levado com uma mulher, aparentemente a que foi atingida pela pedrada, para a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), na região central, onde acabou indiciado por "lesão corporal, ameaça, resistência, dano e desacato".
"A pedra utilizada foi apreendida e encaminhada para perícia. Foi solicitada perícia à viatura", informa a nota da Secretaria.
A pasta também não respondeu se ele continuava preso. "O indiciado permaneceu à disposição da Justiça", diz o comunicado.
'Parecendo porco', diz mãe de homem amarrado
Procurada pela reportagem para comentar o assunto, a mãe do homem amarrado pela PM disse que viu o momento que os agentes usaram uma corda para amarrá-lo.
"Já jogou dentro da viatura. Aí começou a bater. Eles bateram muito, muito nele. Aí depois, eles tiraram da viatura, colocaram no chão, amarraram os pés e as mãos parecendo porco", disse a mulher, que aceitou falar com a reportagem sem se identificar.
"Usaram, uma corda pra amarrar meu filho. Era um porco ali que eles tavam pegando. Colocaram ele ali no chão. E tava um assim, começou a pisar nele, entendeu. Então, já veio outro, já amarrou com uma corda. Falei : 'não faça isso, que ele não é porco'. 'Não faça isso com ele, que ele não é porco. Ele é um ser humano", contou a mãe do homem.
Ela também acusou os policiais de agredirem seu filho. "Eu vi ele já no carro da polícia, ele pedindo socorro, mas ele já tava machucado. Machucaram bastante o braços dele, as pernas, os pés. O rosto dele tá muito roxo."
A mulher ainda acusou os PMs de agredi-la e ameaçarem bater nela. "Pegou no meu braço e machucou aqui. Outro policial pegou spray de pimenta e jogou no meu olho. Ele falou que ia atirar. Tava com uma pistola grandona".
Procurada pela reportagem, a advogada Nicolly Damasceno, que defende o homem amarrado pela PM, disse que levou à polícia a denúncia de racismo que seu cliente afirmou ter sofrido por parte de uma das mulheres para que ela também seja investigada.
"Nós vamos nos dirigir ainda hoje [sexta] à noite à delegacia onde foi registrada a ocorrência para também ser registrado esse boletim referente a mãe dele", disse a advogada.
Fonte: Da Redação com g1