Foi divulgada, nesta segunda-feira (21), uma pesquisa sobre um dos aspectos mais comuns de discriminação racial no Brasil.
Pense nos desafios de se deslocar numa cidade brasileira qualquer. Transporte lotado, congestionamento, passagem cara. Tudo isso é verdade. Mas, se você é negro, no topo da lista pode estar o racismo.
"A gente entra, eles já pegam a bolsa, põem do lado; se está na frente, põe atrás, sabe?", revela auxiliar de limpeza Jessica Neri.
"Não quis sentar perto de mim, eu nem ligo para isso. Eu não sou ladrão, não. A senhora está pensando errado", conta o carroceiro Roberto Abreu.
"O jeito que olha para gente, a gente já sente, né?", lamenta a copeira Beatriz Fernandes.
Quem nunca foi vítima de racismo no ônibus, no trem, no metrô, provavelmente já foi testemunha.
"O rapaz chegou com um pacote de bolacha e entregou para outro passageiro negro, acreditando que ele era morador de rua. Por que ele chegou a essa conclusão eu não sei", relembra o analista de suporte técnico Felipe Mares.
"Eu trabalhava numa lanchonete que tinha uma funcionária que era bem morena. E ela disse que uma vez estava no trem e tinham duas meninas bem branquinhas e aí falou assim para ela: "Quer banana?". E olhando para ela: "Quer banana?"", relata a encarregada de mercado Karina Araújo.
Todas essas entrevistas foram feitas em menos de uma hora. É só sentar num ponto de ônibus ou parar na porta de uma estação do metrô, que esses relatos vêm. Às vezes com raiva, outras com medo. Mas sempre com uma mágoa profunda de saber que, todos os dias, na hora de ir para o trabalho ou de voltar para casa, quem tem a pele negra pode ser alvo de racismo.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que circular pelas cidades é um desafio para pessoas negras.
- 33% dos negros entrevistados responderam que já sofreram racismo no transporte público;
- 65% dos trabalhadores negros do transporte foram vítimas de preconceito durante o expediente;
- 72% dos participantes - brancos ou negros - presenciaram uma situação de racismo nos seus deslocamentos.
O agente de segurança Domingos de Souza atravessou a rua correndo para pegar o ônibus, junto com um colega negro.
"Quando vi, daqui a pouco, a viatura atrás de nós, parou aqui assim, e o cara o abordou e perguntou assim para mim: "O senhor está bem?". Eu falei: "Sabe o que é isso aí? Isso aí é puro racismo. Porque você é uma pessoa de cor, eles acham que tem um branco e um preto, o branco está sendo molestado ou está sendo roubado'", diz Domingos.
Segundo a pesquisa, as formas de discriminação mais comuns são menosprezo, abordagens desrespeitosas e agressões verbais e expressões racistas.
- 69% dos entrevistados consideram o racismo comum no dia a dia;
- 25% acreditam que essas atitudes não são punidas.
"Racismo é crime. A gente precisa constituir políticas públicas que façam esse enfrentamento, programas que tragam a educação para a população, mais ainda para gestão pública, que precisa fazer o monitoramento e práticas antirracistas", explica Anna Karla Pereira, coordenadora da Frente Nacional Antirracista.
A analista Priscila Neves torce todos os dias por uma mudança, principalmente nesta segunda-feira, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.
"A pessoa que é consciente racialmente, ela tem que lutar por isso. Não precisa levantar nenhuma bandeira, sair em manifestações, nem nada -- não que isso não seja importante --, mas eu acho que no dia a dia é só a gente não silenciar. Eu acredito, sim, que a gente vai ter um futuro melhor. E eu espero, torço muito por isso", diz Priscila Neves.
A ONU estabeleceu o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial há 46 anos, e o 21 de março foi por causa do massacre ocorrido em 1960 em Sharpeville, na África do Sul; 69 pessoas morreram quando policiais reprimiram a tiros de metralhadora manifestantes que protestavam contra uma das práticas do regime oficial de segregação racial que vigorava no país.
Fonte: Da Redação JN