Eu não tenho mais idade.
Minha idade são as minhas lembranças.
Ora estou subindo o alto do 10 de julho para as aulas de português do Padre Manuel Gomes, o francês do Dr. Messias Vigolvino Leite ou a viagem geográfica do Dr. Tomaz Pires.
O tempo para mim passa como a maré – ora alta, ora baixa.
O trem que levava para a pensão de doninha, na rua barão do triunfo, em João Pessoa.
A visão assombrada do primeiro cadáver no anfiteatro da faculdade de medicina, no Recife.
"Recife. ponte buarque de macedo.
Eu indo em direção à casa do agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no destino, e tinha medo!"
A luta contra o medo na academia de judô. rua do paissandu.
São nítidas as lembranças, são o meu tempo.
- Não seja cruel, não fale dos anos, do tempo. as lembranças são eternas. São sinalização de vida.
Alguém me lembra que estamos a três meses de sermos médico. não me dei conta dessa mudança tão drástica. não. eu sou estudante.
A mesada do meu pai, pontualmente chegada a cada mês, a pensão de Dona Mercedes, as livrarias, os cineclubes, o bandejão, contestavam a realidade iminente.
Quando será a próxima passeata dos estudantes, contra a ditadura, pelas ruas do recife?
Não me fale do amanhã!
Não me lembre do seguro de vida. estou com os meus amigos, com os meus amores. Isto me basta!
Hoje, há todo um corpo em movimento, há fatos e acontecimentos, há sobretudo um coração com saudade. Saudade de companheiros que, para mim, continuam aqui.
As fisionomias retidas não se foram, estão mantidas na doçura e na tristeza do olhar. a memória chega a mim como em uma tapera.
A terra seca, a chuva, o riachinho, a paisagem às vezes áspera, estão dentro de mim. tudo.
Sou solo, sou caminho. Sou andar.
As folhas das carnaubeiras tocam a música que anuncia chuva e faz balançar a rede no alpendre.
Os gestos, as palavras, a alegria ou a tristeza constroem o cenário das minhas emoções.
Por favor, compreenda, perdi minha idade. O relógio não mais me diz do ir constante, monótono, do esvaimento da vida. Do misticismo ao ceticismo, andei um passo.
Todos falam do movimento do sol que nasce com o dia, da lua que me toca a noite.
Mas eu lhe falo da beleza do por do sol.
Francisco Nóbrega Gadelha.