No dia 1 de Abril, completamos 60 anos do golpe militar que mergulhou o Brasil em 21 anos de ditadura civil-militar. Entidades da sociedade civil, movimentos sociais, partidos e lideranças políticas rememoraram a data, reforçando a importância da democracia e condenando os inúmeros abusos e violações perpetrados pelo Estado durante o período. Nesse cenário, é vergonhosa a postura do governo federal de se omitir diante da data e, mais do que isso, impedir cerimônias que seriam realizadas com pessoas e familiares que foram vítimas de perseguição durante o período, bem como a demora em recriar a Comissão de Mortos e Desaparecidos, essencial para investigar a fundo os crimes cometidos pela ditadura e proporcionar reparação aos atingidos.
Não se pode negar que Lula é um democrata e que sua vitória nas eleições de 2022 salvou o Brasil de aprofundar um período de autoritarismo e de uma tentativa de golpe planejada por Bolsonaro e seus asseclas, fartamente documentada pelas investigações em curso pela Polícia Federal. No entanto, é lamentável que esse compromisso democrático do presidente não se traduza em ações mais enérgicas para aprofundar a vitalidade democrática e combater estruturas autoritárias que ainda hoje oferecem sobrevida àqueles que, se pudessem, continuariam perseguir, censurar e violar direitos a toda sorte, impunemente. Em um texto escrito em 2020, afirmei que "a impressão que fica é que, mesmo nos momentos em que esteve mais sólida, a democracia brasileira sempre esteve por um fio, pois, pelo bem de todos e felicidade geral da nação, não enfrentamos os perigos que ameaçavam e ameaçam atentá-la." Agora, em 2024, a aposta do governo permanece a mesma: não falar sobre a ditadura, não combater privilégios de militares e seus parentes, não responsabilizá-los ou cobrá-los por seus crimes e tampouco mexer nas estruturas das polícias, que permanecem com as mesmas práticas do período ditatorial. Tudo isso em nome de uma paz que é imposta pela inércia e pelo silêncio, onde as vítimas continuam a sofrer e os algozes continuam a vencer, numa paráfrase muito bem utilizada pelo professor Conrado Hubner Mendes em sua coluna na Folha, "milico takes it all".
Não fosse suficiente, quando se trata da política externa, a postura do governo é igualmente vacilante e se tornou particularmente vexaminosa nos últimos dias, após o governo venezuelano impedir mais uma candidata de oposição de concorrer às eleições presidenciais próximas. Após Lula tergiversar quando a opositora Corina foi impedida de concorrer e sugerir que bastava à oposição indicar uma substituta, o governo, através do Itamaraty, finalmente decidiu condenar a ditadura venezuelana quando a candidata substituta também foi impedida de concorrer. Em resposta, o governo venezuelano afirmou que a nota do Itamaraty era "nebulosa e parecia ser ditada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos". Esse é o fruto colhido depois de inúmeros afagos destinados ao ditador Nicolás Maduro e à ditadura venezuelana. Com isso, o Brasil perde a oportunidade de se posicionar como um ator moderado e respeitado nas negociações por eleições livres e independentes na Venezuela.
Se, por um lado, a vitória de Lula e o seu governo proporcionaram ao nosso país um respiro de democracia e estabilidade, a falta de compromisso em aprofundá-la continua a reforçar a sua fragilidade. 60 anos depois de um golpe, não é mais tempo de arriscar as nossas liberdades em nome de conciliações.