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Dia dos Pais: conheça a história do pai que adotou seis meninos

Foto: Ascom
Foto: Ascom

O Dia dos Pais é uma data que também serve pra gente refletir sobre o papel dos homens na família, no cuidado e na relação com os filhos. Por isso, hoje a gente vai conversar com um pai bem diferente.

Esse pai não é casado e não tem filhos biológicos. Ele adotou, sozinho, seis meninos ao longo dos últimos 14 anos: o Victor, o Gabriel, o Maikon, o Miguel, o David e o João.

O jornalista Daniel Ito conversou com Francisco Borges, que mora em São Paulo e também é jornalista, além de pesquisador de história da arte, acadêmico de direito e pai de seis meninos.


Daniel Ito: Vamos conversar um pouco sobre a história da sua família, que está relacionada com a história da sua vida, certo? Conta pra gente, por favor.

Francisco Borges: Eu fui abandonado pela minha mãe aos 3 anos de idade. Ela me deixou numa escada num bairro aqui em São Paulo. E eu fui levado pra Febem, antiga Febem. Eu fiquei lá dos 3 aos 6 anos de idade. Eu fui adotado. Quando eu achei que tava tudo certo, tava feliz, a minha mãe adotiva faleceu, eu tinha 12 anos, e o meu pai adotivo faleceu, eu tinha 15. Eu vi desmoronar aquela realidade de família.

Então, a adoção ela foi uma realidade em mim, né? Eu sempre imaginei, depois dos meus 15, 16 anos, que o meu primeiro filho seria por adoção. Isso realmente aconteceu, quando eu estava com 30 anos de idade, eu adotei o meu primeiro filho, que hoje já está comigo já faz 14 anos.

Foi uma das melhores experiências que eu tive. Acompanhar o seu crescimento, acompanhar o seu desenvolvimento. A gente construiu uma história juntos. E depois de 10 anos que ele estava comigo, eu comecei a amadurecer a possibilidade de aumentar a nossa família, né?

DI: Victor foi seu filho único durante dez anos. E por que você esperou esse tempo antes de adotar mais crianças?

FB: Porque eu queria vivenciar todas as experiências, realmente, com o meu filho, né? Com o meu primeiro filho. E quando ele tava com 10 anos, eu percebi que nós já tínhamos laços suficientes para que outras pessoas pudessem adentrar essa família.

E eu comecei a conversar com ele. Não foi uma conversa de uma sentada, de um fim de semana. A gente passou mais ou menos dois anos conversando sobre o fato. E somente depois, quando ele tava com 12 anos, dois anos depois do início da conversa, é que eu voltei ao fórum, dei entrada ao processo de adoção.

Até que chegou o momento, no final desse processo, de ser apresentado a dois desses meus outros filhos. O Gabriel, que hoje tem 14 anos, e o Maikon, que hoje tem 11 anos. Isso já faz 2 anos e meio que eles estão na nossa família, e foi uma experiência muito legal. Diferente da primeira, que o Victor era recém nascido. Eles já eram maiores, né?

DI: Quando você adotou eles, o Gabriel tinha 11 anos, e o Maikon tinha 9. Geralmente, as pessoas querem adotar crianças mais novas, recém nascidas?

FB: Aí, a gente também pode falar de um processo de adoção chamado adoção tardia, que são crianças maiores. Que muitas vezes são renegadas ou não são enxergadas como possibilidade também de terem uma família.

Muitas pessoas não querem adotar crianças maiores ou adolescentes porque acham que vão perder as primeiras vezes, sabe? Os primeiros passos, as primeiras experiências. Não é um preconceito jogado ao léu: é que elas têm medo de perder isso.

Tenho aqui um pensamento, se você me permite compartilhar com você. Se uma pessoa nasce e vive uma média de 70, 80, alguns mais, né? Por que é que a gente vai definir uma criança, um adolescente, como não sendo uma pessoa capaz de ressignificar sua história, seus passos, seus caminhos, se ele tem 5, 6, 10, 15, 16, 17 anos?

É importante, também, dizer que as pessoas que estão nesses locais de abrigo, quem são a maioria ali? São as crianças pardas e as crianças negras. Então, é importante que a gente repense, reflita, que essas pessoas também foram fragilizadas em tudo. Nas primeiras vezes, também.

Então, mesmo que chegue uma criança maior, muitas das experiências que pra gente é muito comum, talvez elas não tenham vivido. Então, você que é pai, você que é mãe, você que deseja, você vai viver muitas das primeiras vezes com essa criança ou adolescente. Porque ela não teve a oportunidade de vivenciar isso. Isso é importante de a gente pensar, viu?

DI: Recentemente, você adotou mais três irmãos, também como adoção tardia. Como foi que você conheceu o Miguel, o David e o João?

FB: Uma vez você fazendo o processo de habilitação pra se tornar um pretendente à adoção, você fica com o seu cadastro disponível ainda. E eu optei por não fechar o meu cadastro. Deixá-lo aberto, porque eu tinha a pretensão de aumentar um pouco mais a família.

E vendo alguns grupos de apoio à adoção por busca ativa, que é uma forma dentro da adoção, eu encontrei um grupo de irmãos lá no Espírito Santo, que estava disponível pra adoção em um abrigo. E entrei em contato pra saber mais. Foi autorizado pela Vara da Infância e pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em me aproximar para poder conhecê-los. Fizemos esses processos, e hoje, daqui a alguns dias, completamos um ano que eles estão comigo, e o processo de adoção deles também já foi finalizado.

Um chegou comigo aqui em casa com 3 anos, o do meio com 5, e o maior com 10. Todos já fizeram aniversário, todos estudam, todos estão bem felizes. A gente tá se construindo, né? Família é isso: construção diária. Então, a gente tá construindo a cada dia. E está sendo bom.

DI: Vocês sete construíram laços muito fortes ao longo de todos esses anos, não é mesmo?

FB: Os laços que são construídos pelo olhar consistente de cada dia é tão forte quanto os laços sanguíneos. Muitas vezes, é mais eficaz, porque quando você olha com atenção, você sabe quais as dificuldades, quais as fragilidades, o que a gente precisa reforçar. Nem sempre o laço sanguíneo, somente, ele vai te dar todos esses retornos, né?

DI: Além de ter adotado seis meninos, você é pai solo, não é mesmo? Não deve ser uma tarefa muito fácil.

FB: O que eu posso lhe dizer é que eu tô muito consciente do hoje. Estou consciente de que tudo está muito caro financeiramente. Eu tenho que manter eles com a maior dignidade que eu posso oferecer a eles.

Mas o que eu tô comprometido hoje é com olhar e estabelecer os laços que a gente já tem. Porque é uma responsabilidade. Por isso que eu quero dizer da importância da rede de apoio. E essa rede de apoio não é só na adoção. Essa rede de apoio ela se dá em famílias convencionais, também.

Em África — e eu posso falar isso, porque eu sou um negro —, em África, as crianças não são apenas do pai ou da mãe. Mas da aldeia, do coletivo. Então, todos ali estão de olhos abertos para as necessidades dessas crianças.

Às vezes, eu como pai, você e outro como mãe, você avó, não consegue acessar, mas outras pessoas podem acessar. E compartilhar isso é compartilhar uma sociedade mais saudável, mais comprometida. É permitir que o outro também possa orientar. Porque uma orientação certa na hora certa faz uma diferença danada.

DI: Bom, e você citou agora o fato de você ser negro. Seus filhos também são negros. Você é homem, pai solo, em uma sociedade que é marcada pelo machismo, principalmente nessa relação paterna. De que forma você vivencia essa realidade dentro da sua família?

FB: Quando a gente fala de homem e de masculinidade, é importante que a gente entenda que existe (ainda bem) hoje a consciência de diversas formas de exercer a nossa masculinidade. Então, a gente até usa o termo masculinidade no plural: masculinidades.

E o homem, como a mulher, ambos têm a responsabilidade de transmitir, ensinar. É muito cruel colocar sobre a mulher — e isso acontece muito no cenário nacional, onde a mulher é responsável sobre todo o processo. A gente vem de uma constituição de família onde o machismo impera.

Eu optei por ter meninos, filhos, nesse momento, porque eu entendo que é importante a gente fazer e permitir que os meninos também enxerguem um jeito novo, um jeito atual, de viver a sua masculinidade. Onde a agressão não precisa estar presente, onde não precisa necessariamente deixar fluir o exacerbado da virilidade pra ser homem. Não. É possível ser sensível, é possível olhar com calma, é possível ter fragilidades e reconhecer suas fragilidades. Isso é uma construção.

Então, o meu jeito, como homem, de olhar, é um jeito entendendo que a adoção, a família, é um ato de amor — mas ela também é um ato de responsabilidade social.

Você que está ouvindo a gente não precisa adotar pra ser favorável à causa da adoção. Você pode tentar conhecer quais são as realidades dos abrigos, tentar compreender o que leva famílias a ficarem fragilizadas ao ponto de ter que entregar, muitas vezes, uma criança para a adoção. Porque nem a criança e nem os membros da família, de forma consciente, têm o propósito de finalizar os seus laços. Se isso acontece, é porque houve toda uma fragilidade imposta. E é isso que a gente tem que evitar.

DI: Perfeito, Francisco. Essa reflexão fica aqui como a sua mensagem final pra todas as pessoas que nos escutam. Em nome dos ouvintes da Rádio Nacional, agradeço pela sua participação, por compartilhar a sua história com a gente. Desejo muitas felicidades pra você e para os seus filhos.

FB: Obrigado a todos da Rádio Nacional. E eu aproveito pra dizer: se você quiser conhecer um pouco mais da nossa história, acessa: @paifranciscoborges. Aí, a gente vai poder conversar mais. Continuar essa conversa.

DI: Nós conversamos com Francisco Borges, ele que é pai solo adotivo de seis meninos lá em São Paulo.

*Essa entrevista teve produção de Daniel Lima e sonoplastia de José Maria Pardal.

Fonte: Da Redação com Agência Brasil

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