Acordei cedo naquela manhã de domingo, o cheiro de café recém-passado misturado com a brisa fresca que entrava pela janela aberta. Era um daqueles dias em que o coração acorda leve, mas a mente logo se torna pesada com as reflexões que surgem diante do espelho, enquanto a rotina matinal se desenrola. Hoje, decidi refletir sobre um tema que há muito me inquieta: o racismo religioso e o embranquecimento dos orixás.
Como jornalista, sempre busquei dar voz às questões que muitas vezes são silenciadas ou distorcidas pela sociedade. O racismo é uma delas, manifestando-se de diversas formas, inclusive no campo religioso. No Brasil, um país tão plural e diverso, a intolerância religiosa é uma triste realidade que se agrava quando associada às religiões de matriz africana. Candomblé e Umbanda, por exemplo, carregam em suas tradições uma rica herança cultural, que muitas vezes é alvo de preconceito e discriminação.
Em tempo que visitei um terreiro de Candomblé, fui recebido com acolhimento e respeito. A energia era palpável, as cores vibrantes dos trajes e o som dos atabaques criavam uma atmosfera de comunhão e devoção. No entanto, ao conversar com os frequentadores e líderes religiosos, percebi uma preocupação constante com a forma como suas crenças são percebidas e representadas fora daquele espaço sagrado.
O embranquecimento dos orixás é uma dessas distorções. Em muitos espaços midiáticos e até mesmo em produtos religiosos, os orixás – divindades afro-brasileiras – são representados com traços europeus, desvinculando-os de suas raízes africanas. Essa prática, muitas vezes sutil e insidiosa, contribui para o apagamento da identidade negra e reforça a supremacia branca.
Lembro-me de uma conversa com Mãe Quinha (In memoria), uma das líderes de terreiro em nossa cidade. Ela contou como, ao longo dos anos, viu representações de Oxum e Iansã, tradicionalmente retratadas como mulheres negras de beleza e força inigualáveis, serem transformadas em figuras de pele clara e cabelos lisos. "É como se quisessem tirar a nossa ancestralidade, branquear nossos deuses para que se tornem mais aceitáveis", disse ela com tristeza nos olhos.
Essa prática não é apenas uma questão estética; é uma forma de racismo que nega a verdadeira essência e origem das religiões afro-brasileiras. É uma tentativa de diluir a presença negra em uma sociedade que ainda luta para aceitar e valorizar sua diversidade. O embranquecimento dos orixás é uma afronta à história e à cultura africana, um reflexo de uma sociedade que precisa urgentemente reconhecer e combater seus próprios preconceitos.
Enquanto refletia sobre isso, lembrei-me de uma citação de Angela Davis que sempre me inspirou: "Não estou mais aceitando as coisas que não posso mudar. Estou mudando as coisas que não posso aceitar." Como jornalista, como cidadão, como ser humano, sinto que é meu dever mudar as coisas que não posso aceitar, começando por dar visibilidade e voz às questões que realmente importam.
Decidi, então, escrever sobre isso. Compartilhar essas reflexões não apenas como uma denúncia, mas como um convite à introspecção e à mudança. Precisamos reconhecer o racismo religioso em suas diversas formas e lutar contra ele. Precisamos valorizar e respeitar as religiões de matriz africana em toda a sua plenitude e autenticidade.
No final daquela conversa, senti um misto de tristeza e esperança. Tristeza por saber que ainda há tanto a ser feito, e esperança porque, através da palavra, posso contribuir para uma sociedade mais justa e inclusiva. Racismo religioso e o embranquecimento dos orixás são questões que exigem nossa atenção e ação. Somente assim, poderemos honrar verdadeiramente a diversidade que faz do Brasil um país único.
E assim, fecho minha reflexão, com a certeza de que essa é apenas uma das muitas histórias que precisam ser contadas. Porque onde há racismo, haverá resistência para combatê-lo. E onde há resistência, há esperança de um amanhã melhor.
Por: Paulo Pereira