
Era uma noite de domingo, e o Brasil estava em pleno fervor carnavalesco. Nas avenidas, o som dos tambores ecoava junto com os passos das escolas de samba. Nos bares, a cerveja gelada acompanhava os bloquinhos de rua. Nas praias, o calor do verão se misturava ao calor da folia. E, em meio a toda essa alegria contagiante, algo extraordinário aconteceu: o Brasil parou para assistir à cerimônia do Oscar. Não era apenas uma premiação; era um momento histórico. Quando o apresentador anunciou que "Ainda Estou Aqui", do diretor Walter Salles, havia ganhado o prêmio de Melhor Filme Internacional, o país explodiu em emoção. E, de repente, as lágrimas de alegria do Carnaval se misturaram às lágrimas de orgulho do cinema. Viva Marcelo Rubens Paiva, por tão linda e significativa obra literária, adaptada ao cinema!
O filme, estrelado por Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Selton Mello, é uma obra que resgata histórias silenciadas. Ele nos leva de volta aos anos de chumbo, quando o país vivia sob o jugo de uma ditadura que torturou, matou e desapareceu com corpos e sonhos. Mas "Ainda Estou Aqui" não é apenas um filme sobre o passado; é um espelho que reflete o presente. Em um momento político em que o Brasil ainda debate seus fantasmas, a obra de Sales nos lembra que a memória é um ato de resistência.
Fernanda Montenegro, com sua atuação sublime, personifica a dor de uma esposa que busca o marido desaparecido. Fernanda Torres, em uma performance visceral, encarna a luta de quem não se cala diante da opressão. E Selton Mello, com sua presença marcante, representa aqueles que, mesmo diante do medo, escolhem lutar. Juntos, eles formam um elenco que não apenas interpreta personagens, mas revive histórias reais, dolorosas e necessárias.
O diretor Walter Salles, com sensibilidade e coragem, tece uma narrativa que não se limita à denúncia. Ele nos convida a refletir sobre o que significa ser brasileiro em um país que, muitas vezes, parece sofrer de um complexo de vira-lata. Esse termo, cunhado por Nelson Rodrigues, descreve a tendência de menosprezar nossa própria cultura, de achar que o que é estrangeiro é sempre melhor. "Ainda Estou Aqui" é um tapa na cara desse complexo. Ele mostra que o cinema brasileiro pode ser universal sem perder sua essência, que nossas histórias merecem ser contadas e celebradas.
Mas, como em qualquer obra que mexe com as estruturas do poder, o filme também enfrentou resistência. Os bolsonaristas, que têm uma visão romantizada da ditadura militar, se opuseram veementemente à obra. Para eles, o filme é uma afronta, uma revisão histórica que não condiz com a narrativa que tentam impor. E é exatamente por isso que "Ainda Estou Aqui" é tão importante. Ele desafia o revisionismo, confronta o negacionismo e nos lembra que a verdade, por mais dolorosa que seja, precisa ser dita.
A vitória no Oscar não é apenas um prêmio para o cinema brasileiro; é um reconhecimento de que nossas histórias importam. Ela abre portas para novas produções, para que outros diretores, atores e roteiristas possam contar suas próprias narrativas, sem medo de serem silenciados. E, mais do que isso, ela nos convida a refletir sobre o momento político que vivemos. Em um país ainda dividido, onde o passado recente é constantemente manipulado, discutir obras como "Ainda Estou Aqui" é um ato de resistência democrática.
E, no meio do Carnaval, essa resistência ganhou um tom ainda mais especial. Em meio aos trios elétricos e aos blocos de rua, não faltaram gritos de "Sem anistia!", ecoando como um mantra da memória e da justiça. O filme, que já havia tocado tantos corações, agora contagiava também os foliões, que levavam para as ruas não apenas a alegria do Carnaval, mas também a consciência política. Era como se, por um momento, a folia e a luta se fundissem em um só grito: "Ainda estou aqui!"
No fim das contas, o filme de Walter Salles não é apenas sobre o que aconteceu. É sobre o que ainda está acontecendo. É sobre a luta por memória, verdade e justiça. É sobre a capacidade de resistir, de dizer, mesmo diante de tudo: "Ainda estou aqui". E, nesse sentido, ele não é apenas um filme. É um manifesto, um grito, um lembrete de que, enquanto houver quem se importe, a história não será apagada.
E assim, naquela noite de Oscar, o Brasil não apenas ganhou uma estatueta. Ganhou voz. Ganhou presença. E, acima de tudo, ganhou a certeza de que, mesmo diante das sombras, a luz da arte e da memória nunca se apaga. Porque, como nos ensina o filme, ainda estamos aqui. E, enquanto estivermos, seguiremos contando nossas histórias, lutando por nossas verdades e construindo um futuro onde a cultura e a democracia possam florescer. E, no Carnaval ou em qualquer outra época, seguiremos gritando: "Sem anistia!" Porque a memória, como a alegria, é uma festa que não pode ser cancelada.
Fonte: Da Redação do blog com Ascom